E a narrativa portuguesa da Europa, qual é?
Iniciativas no âmbito do projecto europeu “Uma Nova Narrativa para a Europa” são apresentadas nesta sexta-feira. Ideia é pôr os portugueses, sobretudo os mais jovens, a discutir um novo paradigma para a sociedade.
As iniciativas portuguesas que serão desenvolvidas a partir de agora, e até Maio, no âmbito do projecto “Uma Nova Narrativa para a Europa”, são apresentadas nesta sexta-feira, em Lisboa, e já envolvem cerca de 50 entidades, adianta João Tàtá, assessor da representação portuguesa.
Uma conferência internacional, a 5 de Dezembro, na Casa da Música, no Porto, juntará artistas, intelectuais e cientistas, portugueses e de outros Estados-Membros. O Ministério da Educação deverá promover 450 aulas-debate nas escolas. Um concurso premiará projectos desenvolvidos nos cerca de 300 clubes europeus que existem no país. Uma plataforma digital (www.novanarrativa-europa.eu) será lançada e um livro, com a narrativa, ou as várias que surgirem, será editado no final.
O apelo foi feito pelo Parlamento Europeu e, em Abril do ano passado, a Comissão Europeia apresentou em Bruxelas o projecto “Uma Nova Narrativa para a Europa”. O objectivo é dar resposta a anseios como este: como contrariar o distanciamento das pessoas em relação ao projecto europeu? — que em Portugal se traduz, por exemplo, por uma taxa de abstenção de 66% nas últimas eleições para o Parlamento Europeu (contra 27,8%, em 1987). E como fazê-lo numa altura em que os europeus enfrentam o desemprego, o aumento das desigualdades, o ressurgimento do populismo?
Duas dezenas de artistas, intelectuais, cientistas e representantes do mundo académico, onde se inclui a portuguesa Luísa Taveira, directora da Companhia Nacional de Bailado, o economista checo Thomas Sedlacek e Rem Koolhaas, o arquitecto holandês que projectou a Casa da Música, elaboraram uma declaração a que chamaram O Corpo e a Mente da Europa.
O texto deste “comité cultural” da "Nova Narrativa..." destina-se a ser um ponto de partida para a reflexão transeuropeia. “A Europa precisa de uma mudança de paradigma para a sua sociedade – na realidade, precisa de nada menos do que um ‘Novo Renascimento’. O termo evoca a memória das revoluções do pensamento que surgiram nos séculos XV e XVI. Este foi um período em que a sociedade, a arte e a ciência abalaram a ordem estabelecida e criaram as bases para a actual era da Sociedade do Conhecimento. A Europa dispõe dos meios necessários para se manter na vanguarda desta era”, defende-se no manifesto.
Em alguns Estados-membros as iniciativas a desenvolver serão sobretudo culturais, mas Maria de Aires Soares explica que em Portugal se pretendeu que o projecto fosse “mais abrangente”. Os jovens são um alvo central. “As novas gerações nasceram, felizmente para elas, num clima de paz, não viveram a guerra, não conheceram os horrores da guerra e, por isso, há que relembrar", diz. "Queremos atrair os jovens, ir até eles, por isso vamos até às escolas, até às universidades, para os envolver no debate, para lhes pedir propostas, porque, no fundo, a Europa do futuro é a Europa que eles construírem.”
Reconhece que, em tempo de crise, este debate é particularmente complicado. “Mas recebemos um legado e não podemos fazer uma pausa, sobretudo em momentos difíceis.” O novo presidente da Comissão Europeia já mostrou o interesse de vir a ter em conta os contributos dos cidadãos, diz.
O último Eurobarómetro dava conta de que o desemprego é para 47% dos portugueses (mais do que a média europeia) o principal problema que a Europa deve resolver (ver gráficos). E que o peso daqueles que acham que o euro é a grande conquista da União tem vindo a diminuir (só 19% pensam assim). “Na crise tem-se batido muito no euro”, diz a chefe da representação da Comissão. “Como a maioria das pessoas estão descontentes, se aparece um partido que diz, como em França, que ‘sim, têm razão, a culpa disto tudo é da Europa’ e batem na Europa todos os dias, isto entra na cabeça das pessoas que não têm toda a informação para tomar as decisões mais conscientes.”
E questiona: “O que seríamos nós, Portugal, a Holanda, outros países, se não fosse a Europa? O mundo mudou, temos a Índia com um desenvolvimento económico e uma capacidade de trabalho [enormes], a China... é um contexto global que não existia. Como seria Portugal agora, com o escudo, sozinho, por exemplo?”