Dois casos de abusos sexuais em lar da diocese do Porto

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Casos de abusos sexuais entre jovens de oito e 16 anos Adriano Miranda (arquivo)

Falha a supervisão na Oficina de São José, um dos mais antigos lares de infância e juventude do Porto. De quando em quando, um rapaz mete-se com outro. Nos últimos anos, o Ministério Público (MP) abriu duas dezenas de inquéritos por algum tipo de agressão. Dezassete foram arquivados, mas três permanecem pendentes: um por maus tratos, dois por abusos sexuais - um foi instaurado já este ano. Lá para Julho, a Oficina, que depende da diocese do Porto, deixará de acolher e tratará de se reconverter num centro de formação profissional.

Carregam memórias espinhosos os trinta rapazes acolhidos naquela estrutura centenária. As famílias negligenciaram-nos, bateram-lhes ou deles abusaram sexualmente. E foi para os proteger dessas famílias que uma Comissão de Protecção de Crianças e Jovens (CPCJ) ou um Tribunal de Família e Menores os retiraram e os enfiaram num lar de infância e juventude.

As situações que têm chegado ao MP implicam rapazes entre os oito e os 16 anos. Às vezes, é-lhes difícil distinguir o abuso sexual da troca de afecto. Às vezes, a única forma que têm de ter algum contacto físico afectuoso é através da prática sexual. Um dos rapazes diz que foi do abusador o primeiro abraço que recebeu na vida - aconteceu no momento do acto.

Não há em Portugal qualquer centro com preparação específica para acolher crianças e jovens vítimas de abuso sexual. E miúdos abusados podem ter comportamentos sexuais desadequados; miúdos abusados por pessoas do mesmo sexo podem ficar confusos com a sua própria orientação sexual.

"É evidente que é grave que essas coisas aconteçam", reconhece o padre Lino Maia, do secretariado diocesano da acção sócio-caritativa. Qualquer denúncia que chega à Segurança Social - naquele ou noutro lar de infância e juventude - segue para o MP, assegura a secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz.

Oficina nasceu em 1833

Fundada em 1883, a Oficina nasceu com o objectivo de acolher crianças pobres e de lhes dar um ofício. O mundo mudou e durante anos a fio a estrutura - da Diocese do Porto - recusou-se a adaptar-se. Só em 2004, por imposição da Segurança Social, admitiu um corpo técnico: uma psicóloga e uma assistente social. O país olhou lá para dentro, em choque, em Fevereiro de 2006: Gisberta, uma sem-abrigo, transexual, toxicodependente, fora torturada e atirada a um fosso por um grupo de rapazes, quase todos da Oficina. Desde então, de quando em quando correm rumores sobre o seu encerramento.

"A Oficina vai regressar às origens", adiantou Lino Maia. Perdeu a componente formação para a vida autónoma e irá retomá-la. A mudança, diz o também presidente da Confederação Nacional de Instituições Particulares de Solidariedade Social, "não tem a ver com as situações pontuais que possam ter havido". A mudança prende-se, desde logo, com a percepção de que o país já não precisa de tantas vagas para albergar crianças e jovens em risco. Em 2005 havia 13.833 e em 2008 havia 9.956 crianças em centros de emergência, centros de acolhimento, lares de infância e juventude ou famílias de acolhimento.

Há três anos, Idália Moniz reuniu-se com o bispo do Porto, D. Manuel Clemente, que nomeou Lino Maia como seu interlocutor para a negociação: "Há uns meses, comunicou a vontade da Oficina deixar de ser um lar de infância e juventude e eu achei os motivos legítimos. A estrutura é muito grande. Por mais investimento que se fizesse na reabilitação, seria sempre inóspita."

Na opinião da secretária de Estado, já não tem sentido haver lares com uma centena de crianças, como a Oficina chegou a ter (muitas a dormir em camaratas, a tomar banho em balneários). Agora, um lar de infância e juventude, deve ter, no máximo, 30 crianças e jovens.

Não foi por acaso que a Oficina integrou o primeiro alargamento do projecto DOM - Desafio Oportunidade e Mudança, sublinha Idália Moniz. Refere-se ao programa governamental que financia um reforço técnico para garantir um projecto de vida para cada criança.

A Diocese começou a questionar-se sobre a viabilidade da estrutura. É que as exigências encareceram a valência que, ao mesmo tempo, viu a comparticipação do Estado cair com a redução de rapazes. Dentro da Igreja, há também muito quem veja no projecto DOM uma intromissão do Estado e conteste a tentativa de uniformizar o modo destes equipamentos funcionarem. Atribuem-lhe um certo descontrolo. Nas escolas frequentadas pelos rapazes - Ramalho Ortigão e Augusto César Pires de Lima - os rapazes da Oficina protagonizam a maior parte dos processos disciplinares com sanção. A formação profissional revelou-se, então, uma maneira de manter o lugar ao serviço dos mais jovens. O protocolo com o Instituto de Emprego e Formação Profissional está a ser delineado e deverá ser assinado dentro de dias.

A equipa técnica está a trabalhar projectos de vida com os rapazes. No final do ano lectivo, uns regressarão às famílias nucleares ou alargadas e outros serão transferidos para diferentes instituições. Os funcionários serão reintegrados noutras estruturas tuteladas pela diocese.

Reforço em 149 instituições

Há 356 técnicos contratados ao abrigo do projecto DOM - Desafio Oportunidade e Mudança, diz a secretária de Estado Adjunta e da Reabilitação, Idália Moniz. Quatro estão colocados na Oficina de São José, no Porto, e os restantes noutras 148 estruturas de acolhimento de crianças e jovens em risco. O programa, desenhado a pensar nisso, abrange 4915 menores. "O Estado contou pela primeira vez as crianças acolhidas em 2006", enfatiza.

"Hoje, o acolhimento é muito mais qualificado: há menos crianças por centro e maior capacidade técnica", assegura. "Não podemos ter instituições que acham que recebem um bebé e que só o vão ver sair aos 18 anos. Cada uma tem de ter um projecto de vida e esse projecto de vida tem de ser trabalhado e avaliado permanentemente."

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