Dez anos passados sobre condenação de Pedro Grilo
A 28 de Outubro de 1989, o dirigente do PSR, José Carvalho, é assassinado à porta da sede do partido, na Rua da Palma, em Lisboa.
A facada que vitima o militante, à porta do edifício novecentista, marca também meses de questionamento público em torno dos "skinheads", da extrema-direita e do racismo em Portugal. Simultaneamente proliferam, durante o processo de acusação pelo assassínio de José Carvalho, testemunhos e avaliações psicológicas dos arguidos que os descrevem com termos como "vazio afectivo" ou "personalidades fragilizadas".
Mário Soares, então Presidente da República, revela-se preocupado com os acontecimentos. Movimentos como o MAN (Movimento de Acção Nacional) e outras organizações são postos à vista da opinião pública, que não gosta do que vê.
Como relatava o PÚBLICO em 1990, descobrem-se ligações internacionais dos extremistas portugueses. Emergem publicações e crenças no militarismo, xenofobia e fascismo. Com toda esta atenção, o final da década de 80 é de silêncio para os movimentos de extrema-direita, que se esforçam por regressar às sombras.
Crime na Rua da Palma
O crime, na sequência de um concerto antimilitarista na sede do partido, ocorre depois de dois "skinheads" que tentam assistir ao espectáculo serem barrados à porta. O PSR tinha já, em 1987, sido alvo de um ataque "skin" no Bairro Alto, na campanha para as eleições autárquicas e estava mobilizado para suster as invectivas violentas de alguns destes visitantes nocturnos.
Pedro Grilo estava acompanhado por mais sete amigos ligados ao movimento "skinhead"e viajou depois do jantar desde a sua casa, em Miratejo, para o Martim Moniz, onde o grupo queria assistir a um concerto, na sede do PSR, de uma banda de amigos, apesar da discordância de princípios com o partido liberal. Impedidos de entrar, o cenário muda rapidamente para uma batalha campal, dos dois lados da Rua da Palma. No meio da confusão, poucos se apercebem que o organizador do concerto, de 34 anos, cai no chão, ferido por uma arma branca directamente no coração. Eram 01h20.
O grupo de "skinheads" foge para as suas casas, na Margem Sul. Fica uma navalha de "ponta-e-mola" na rua. Com a investigação a cargo do inspector Dias Costa, da Polícia Judiciária de Lisboa, Pedro Grilo é detido horas depois e chega a confessar que, como relata na altura o extinto "O Jornal", pensa que "xinou" alguém. São estas palavras que determinam a sua prisão preventiva, em Caxias, ainda no mês de Outubro, onde ficou até ao julgamento.
Mas Pedro Grilo e o seu advogado tentam desdramatizar e mesmo desmentir a confissão, o que acarreta demoras no processo. Outro ponto quente do caso é, até à leitura da sentença, a arma do crime: a mãe do jovem natural do Laranjeiro entregou a arma que Grilo costumava usar - um canivete com uma lâmina de oito centímetros - e que Pedro confessou trazer consigo nessa noite; uma navalha "ponta-e-mola", com cerca de 15 centímetros de lâmina, fica no chão da Rua da Palma na noite do crime.
Nenhuma das duas foi, concluído o processo, considerada a arma do crime.
Quinze meses depois da morte de José Carvalho começa o julgamento, não só de Pedro Grilo como de sete outros "skinheads" que com ele estavam naquela noite e que participaram nas agressões. Isto apesar de, durante meses, a constituição dos restantes indivíduos, com idades entre os 18 e os 27 anos, ter sido alvo de divergências entre o Tribunal da Relação de Lisboa e o Tribunal de Instrução Criminal (TIC).
Prevalece a decisão do TIC e, a 22 de Janeiro, comparecem em tribunal Pedro Grilo - que se declara inocente -, os irmãos Miguel e Filipe Temporão, Francisco Santos, João Vargas Mariani, Gabriel Ferreira, Melchior Santos e Américo Martins da Silva. Dois meses depois, o Tribunal de Monsanto, presidido pelo juiz Ricardo Cardoso, decide pela condenação de Pedro Grilo a doze anos de prisão. Apenas dois dos réus - João Vargas Mariani e Francisco Santos - são absolvidos.
Américo Silva foi condenado a sete anos de prisão, Melchior Santos a seis anos e Gabriel Ferreira a cinco anos de prisão por co-autoria da morte, ofensas corporais e rixas. Os irmãos Temporão foram condenados a cumprir uma pena entre 15 a 18 meses de prisão, mas que foi suspensa por três anos.
Fuga do Estabelecimento Prisional do Linhó
Mas o caso não termina por aqui. Pedro Grilo, descrito amplamente na imprensa por peritos do Instituto de Reinserção Social como tendo uma "personalidade vulnerável, dependente e carente de afecto", é preso no Estabelecimento Prisional do Linhó. Mas não chega a completar um ano de cadeia. A 21 de Agosto, num episódio insólito, foge, juntamente com outros dois reclusos em nada relacionados com o crime da Rua da Palma, escondido na roupa suja do estabelecimento prisional.
A situação, de tão insólita, cria desconfiança junto dos familiares, amigos e correlegionários de José Carvalho, que aludem a alguma cumplicidade por parte dos guardas prisionais. O caso torna-se ainda mais rocambolesco, com uma entrevista de Grilo ao semanário "Expresso" - no dia 26 de Agosto, cinco dias depois da fuga -, onde aparece em fotografias nas imediações da cadeia de Tires.
Queixando-se do julgamento e de várias incongruências da acusação, Grilo mantém a posição que teve durante o caso: nega a autoria do homícidio e minora a classificação de "skinhead", que diz ao "Expresso" terem sido "pensamentos próprios da juventude".
Quatro anos depois, Pedro Grilo entregou-se ao director dos Serviços Prisionais,
Marques Ferreira, num acto negociado entre as autoridades e o seu advogado, José António Barreiros. Perdoada a fuga do jovem, decidiu-se que cumpriria apenas dois terços da pena, até ao Verão de 2000, escreveu "O Independente". O tribunal decidiu conceder-lhe liberdade condicional até Agosto de 2003, com termo de residência e obrigação de boa conduta, adianta hoje o PÚBLICO.