Deontologia da Ordem propõe processo a advogado de Sócrates por ofensas a jornalista
Conselho terá recomendado a abertura de processo, mas deixou a decisão nas mãos do presidente que não esteve na reunião. Dos 20 conselheiros, apenas 11 estiverem presentes, tendo alguns não aparecido como contestação aos moldes em como esta foi publicitada.
Fontes do conselho adiantaram ao PÚBLICO que, durante a reunião daquele órgão esta terça-feira, foi votada uma deliberação dirigida ao presidente do conselho na qual terão recomendado a instauração de um processo disciplinar a João Araújo. Entre os membros, três votaram contra, um absteve-se e sete votaram a favor.
De acordo com o Estatuto da Ordem dos Advogados, o conselho tem poderes para deliberar de imediato a abertura de um processo disciplinar, mas terá preferido deixar essa decisão nas mãos do seu presidente, Rui Santos, que não esteve presente por motivos profissionais. Na deliberação, os conselheiros terão aproveitado para expressar apoio ao presidente daquele órgão caso este venha a decidir instaurar o processo em que João Araújo passará a ser arguido.
Rui Santos adiantou ao PÚBLICO que irá emitir um comunicado esta quarta-feira com mais pormenores sobre a reunião e sobre uma eventual decisão, recusando prestar mais esclarecimentos. “Não conheço a deliberação que esses deontólogos tomaram. Não tenho opinião”, reagiu ao PÚBLICO, João Araújo.
Os advogados consideram que, com as declarações à jornalista do Correio da Manhã (CM), João Araújo colocou publicamente em causa o prestígio de todos os elementos desta profissão e infringiu regras do Estatuto da Ordem dos Advogados, nomeadamente o que estabelece que “no exercício da profissão, o advogado deve proceder com urbanidade”.
Fontes daquele órgão garantiram ao PÚBLICO não haver memória de alguma vez ter acontecido uma deliberação nestes moldes, caracterizando-a como inusitada. Mas também a forma em que a reunião decorreu foge à regra. Dos 20 membros conselheiros, apenas apareceram 11 na reunião, tendo alguns advogados adiantando que os membros que não marcara, presença quiseram assim manifestar-se contra a forma como foi publicitada a discussão deste tema.
Convocatória polémica
Na quinta-feira passada, a vice-presidente do conselho, Teresa Alves de Azevedo, enviou um comunicado a todos os advogados da Ordem dando conta do agendamento do tema para esta terça-feira. Os agendamentos são habitualmente apenas partilhados com os membros do conselho, o que terá merecido a crítica de alguns dos conselheiros, apesar de estes estarem também indignados face às ofensas de João Araújo visionadas sucessivamente nas televisões. Perante isso, aliás, o conselho foi contactado por inúmeros advogados que consideraram que tal era inadmissível e colocaria em causa a imagem da profissão.
“Notícias recentes, relativas a patrocínios que têm sido objecto de forte mediatização, deram causa a um significativo número de interpelações dirigidas ao Conselho de Deontologia de Lisboa da Ordem dos Advogados, designadamente por colegas que expressam a sua preocupação relativamente ao que entendem dever ser feito em defensa do prestígio dos advogados e da Ordem dos Advogados”, refere o comunicado conselho em que a reunião foi convocada.
No mesmo documentado, o conselho dá conta de que as “interpelações foram feitas de uma forma que revela a necessidade de reiterar, publicamente, o empenho deste conselho em velar, como lhe compete, pelo cumprimento por parte dos advogados (…) das normas de deontologia profissional”.
Porém, o PÚBLICO apurou que não estão apenas em causa as palavras dirigidas à jornalista do CM. Tânia Laranjo adiantou então que iria apresentar uma queixa-crime ao Ministério Público e uma outra à Ordem dos Advogados.
Em cima da mesa estão também as declarações de João Araújo publicadas esta terça-feira a propósito de uma entrevista que o advogado deu ao jornal i. Nessa entrevista, quando questionado sobre os jornalistas e os comentadores de televisão, queixando-se destes, João Araújo diz que são “pessoas que são como os bêbados que regressam a casa e deixam cair a chave, mas em vez de a procurarem onde a deixaram, vão procurar ao pé de um candeeiro para terem luz”.
Houve outro momento que não agradou ao conselho. A propósito do habeas corpus, João Araújo teceu duras críticas a Costa Andrade, um dos penalistas de renome que participou na revisão mais recente do Código Penal e que afirmou não ter dúvidas de que o ex-primeiro-ministro deve ser julgado como qualquer outro cidadão.
“Durante uma semana ouvimos comentadores num concurso de 'aparvalhamento geral'. Ainda vamos falar das viagens de Costa Andrade”, ironizou o advogado.