“Decapitar” o Observatório da Emigração é um “acto de vingança”, diz PS
Deputado eleito pelo círculo da Europa acusa Governo de querer esconder números sobre saídas do país e diz que instituição é “praticamente a única com conhecimentos na área da emigração”.
Para o deputado socialista eleito pelo círculo da Europa, Paulo Pisco, não há dúvidas: o Governo liderado por Passos Coelho “tentou esconder informação” sobre o número de pessoas que emigraram — 110 mil — em 2014 e, num acto de “vingança”, pelo facto desses dados terem sido conhecidos antes das eleições de 4 de Outubro, decidiu “decapitar o Observatório da Emigração” (OEm).
Mesmo num dia em que o tema no Parlamento foi a rejeição do Governo liderado por Passos Coelho, a notícia desta terça-feira sobre o fim do financiamento do OEm não passou despercebida. A deputada do BE, Mariana Mortágua, sublinhou, durante o debate parlamentar: “Queriam fazer com os dados da emigração a mesma aldrabice que fizeram com o indicador mensal da sobretaxa: antes das eleições, a devolução da sobretaxa era 35%; no mês a seguir às eleições os portugueses ficaram a saber que a devolução da sobretaxa afinal era 9,7%.”
A 29 de Setembro — poucos dias antes das legislativas —, o PÚBLICO revelou que a emigração não abrandara em 2014 e que os portugueses continuaram a sair de Portugal ao mesmo ritmo que haviam saído em 2013. Era o que mostravam os dados provisórios do OEm.
O seu coordenador científico, Rui Pena Pires, explicava na altura: “Eu estava à espera que os valores começassem a baixar. Toda a gente estava à espera, incluindo o Governo. Não é possível estar sempre a crescer.” Os números foram divulgados antes da publicação a 28 de Outubro do relatório da emigração na íntegra, pela secretaria de Estado das Comunidades.
“O relatório foi posto na gaveta”, para depois das eleições, acusa o deputado do PS Paulo Pisco, lembrando que "na sessão legislativa anterior" o relatório da emigração havia sido tornado público no Verão.
O OEm foi criado em 2008, com base num protocolo entre a Direcção-Geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas e o Centro de Investigação e Estudos de Sociologia, do ISCTE-Instituto Universitário de Lisboa, para produzir e disponibilizar informação sobre a evolução e as características da emigração e das comunidades portuguesas. Uma semana depois da notícia de Setembro do PÚBLICO, o Governo decidiu acabar com o financiamento do OEm.
Tal como o PÚBLICO noticiou nesta segunda-feira, a decisão foi formalmente tomada pelo director-geral dos Assuntos Consulares e das Comunidades Portuguesas, o embaixador João Maria Cabral, que depende directamente do Secretário de Estado das Comunidades. João Maria Cabral denunciou o protocolo numa carta que dirigiu ao reitor do ISCTE – IUL, na qual apontava os acontecimentos da semana anterior como uma “quebra de confiança”. Rui Pena Pires disse ao PÚBLICO que não tem dúvidas de que a razão para a denúncia do protocolo e o fim do financiamento ao OEm “foi exclusivamente a divulgação daqueles dados”.
O secretário de Estado das Comunidades José Cesário tem outro entendimento e disse que o protocolo “era para ter acabado há mais tempo”.
Paulo Pisco não sabe dizer o que poderá fazer um futuro Governo liderado pelo PS sobre este assunto, porque, explica, não teve oportunidade, nesta terça-feira, de falar com os dirigentes do partido. Mas sustenta que o OEm é “praticamente a única instituição com conhecimentos na área da emigração” e que, ao mesmo tempo, “permite ter uma ligação às comunidades portuguesas no estrangeiro e fazer uma avaliação qualitativa das mesmas”, o que é essencial para a definição de políticas.