Cortes estão a deixar crianças e adultos com paralisia cerebral sem apoios

Em Portugal, há 20 mil pessoas com esta patologia. Famílias e amigos juntam-se neste domingo para desmistificar doença.

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Grupo de teatro que junta utentes e funcionários da Associação do Porto de Paralisia Cerebral Paulo Pimenta

O retrato é feito pela directora do Serviço de Neurologia Pediátrica do Hospital Dona Estefânia, Eulália Calado. A também presidente da Federação das Associações Portuguesas de Paralisia Cerebral, em declarações ao PÚBLICO, diz que o objectivo deste domingo é precisamente trazerem estas pessoas para a rua para que todos possam de forma natural conviver. O propósito de ter o Dia da Paralisia Cerebral, que decorrerá das 10h00 às 16h00, é dar mais visibilidade à doença e, sobretudo, de uma forma mais positiva, reunir num mesmo espaço doentes, familiares e técnicos em momentos lúdicos que vão de um piquenique, a jogos desportivos adaptados e a um espectáculo de dança.

“As pessoas com paralisia pessoal existem. Não só crianças. Esquecemo-nos que elas crescem, o que causa grande exaustão e preocupação aos pais, que buscam soluções de início, onde gastam tudo em tratamentos com e sem evidência científica, e mais tarde procuram apoio que não encontram na comunidade”, lamenta a médica. Até para trazer as pessoas até Lisboa esbarraram em coisas que Eulália Calado julgava ultrapassadas: em cada comboio Alfa Pendular há capacidade para apenas duas cadeiras de rodas.

Ao todo no país existem cerca de 20 mil pessoas com paralisia cerebral e todos os anos surgem 200 novos casos. Em 90% das vezes as crianças chegam à idade adulta. De problemas na gestação, no parto, encefalites, meningites, acidentes de automóvel a situações de pré-afogamento, várias são as causas desta doença motora que causa lesões cerebrais e de expressão verbal, mas nem sempre problemas cognitivos (um dos principais mitos).

Doentes afectados por cortes
Eulália Calado diz que tem sido difícil reduzir a prevalência de dois casos de paralisia por cada 1000 habitantes já que a própria medicina tem mais capacidade de resposta e consegue que hoje sobrevivam crianças que antes morreriam à nascença. E destaca o “número crescente” de crianças que nascem com baixo peso ou antes das 37 semanas de gestação, sendo que 50% dos casos de paralisia cerebral foram em bebés prematuros. “Há cada vez mais mulheres a adiarem a maternidade para depois dos 35 anos ou então a sofrerem a gravidez com grande stress e medo no emprego”, acrescenta. As gravidezes gemelares fruto de tratamentos de fertilidade também contribuem para as estatísticas.

O problema, prossegue a neurologista pediátrica, é que estes doentes são afectados pelos vários cortes, já que precisam ao mesmo tempo do sector da saúde, segurança social e educação. Eulália Calado diz que à federação chegam cada vez mais relatos de pais que não encontram lugar para os filhos nas escolas, sobretudo quando têm graus de dependência mais profundos, em que precisam de estar mais tempo numa sala à parte, com meios para poderem ter mais terapias e até tratamentos como aspirarem as secreções que acumulam nas vias respiratórias. Mesmo em casa há dificuldade em terem aparelhos e há mais crianças subnutridas ou com infecções, como alertou o segundo relatório do Programa Nacional de Vigilância Nacional da Paralisia Cerebral aos 5 anos de Idade, divulgado em Março deste ano.

A alternativa? “Um dos pais acaba por abdicar do emprego e quando consegue o subsídio para a chamada ajuda de terceira pessoa recebe uma quantia que não chega aos 90 euros por mês para tratar do filho 24 horas por dia, sete dias por semana. É esgotante e em termos de despesa, já sem contar com as cadeiras de rodas, ventiladores e outros materiais técnicos, só em pensos e fraldas e farmácia estas crianças gastam 20 a 30% mais que uma criança normal. Mesmo para as ajudas técnicas, um casal que receba por cabeça mais de 628 euros já não tem direitos”.

Eulália Calado teme que em 2014 a situação seja ainda pior, sobretudo porque sente que “estão a cortar todos os apoios de forma cega”. A médica preocupa-se com os doentes com idade intermédia que “ficam ao abandono”, já que não existem cuidados continuados suficientes e a única alternativa (quando há) é levá-los prematuramente para um lar, sendo que “a pensão a que têm direito é de apenas 200 euros”.

“A paralisia cerebral não é rara, não está em vias de extinção e é altamente democrática, atinge todas as classes sociais. O que não é democrático é que mais de 30 anos de democracia não estão a chegar para lhe dar resposta”, conclui.

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