Constitucionalistas defendem que projecto de referendo sobre adopção gay é legal
Tanto para Bacelar Gouveia como para Tiago Duarte as duas questões previstas são sobre a mesma matéria, embora o último admita que possa haver outras interpretações. Também garantem que não é necessário haver projectos de lei associados.
As perguntas são: “Concorda que o cônjuge ou unido de facto do mesmo sexo possa adoptar o filho do seu cônjuge ou unido de facto?” e “Concorda com a adopção por casais, casados ou unidos de facto, do mesmo sexo?"
Os constitucionalistas garantem que não é necessário haver projectos de lei associados e que as questões em causa são apenas sobre uma matéria, tal como estipulado pela Constituição da República Portuguesa (CPR). “A matéria em geral parece-me que é só uma, que é saber se os casais homossexuais podem adoptar crianças ou não. Se se entender, como eu entendo, que é só uma matéria, não há problema em haver duas perguntas, uma mais específica para a co-adopção e outra mais geral para a adopção”, diz o docente de Direito Constitucional da Universidade Nova de Lisboa, Tiago Duarte, ressalvando que pode haver outras interpretações e que cabe ao Tribunal Constitucional (TC) decidir, bem como pronunciar-se sobre a clareza das questões.
O catedrático da mesma faculdade Bacelar Gouveia não tem dúvidas de que são duas perguntas – a lei permite três –, “dois subcapítulos ou subtemas” da mesma matéria, a adopção por parte de casais homossexuais.
Isabel Moreira, deputada do PS e uma das autoras do projecto de lei da co-adopção, aprovado na generalidade em Maio do ano passado, foi apenas uma das várias vozes a defender que “não existem referendos sem projectos de lei associados” e que agora não há nenhum a decorrer sobre adopção por casais do mesmo sexo, matéria que foi chumbada.
Constitucional e Presidente da República
A convocação de referendo, prevista na CPR e regulada pela lei orgânica do regime do referendo nacional, define que a consulta popular “só pode ter por objecto questões de relevante interesse nacional que devam ser decididas pela AR ou pelo Governo através da aprovação de convenção internacional ou de acto legislativo”. E ressalva que “as questões suscitadas por convenções internacionais ou por actos legislativos em processo de apreciação, mas ainda não definitivamente aprovados, podem constituir objecto de referendo".
Após eventual aprovação do projecto de resolução pelo Parlamento, o Presidente da República tem de a submeter, oito dias após a publicação, ao TC “para efeitos de fiscalização preventiva da constitucionalidade e da legalidade”. O TC procede à fiscalização e apreciação em 25 dias, prazo que pode ser encurtado pelo Presidente por motivos de urgência. Se for declarado inconstitucional, o texto é devolvido à AR, que pode reapresentá-lo; caso contrário, o Presidente decide sobre a convocação de referendo 20 dias após a publicação da decisão do TC. Se o Presidente decidir não o convocar, comunica-o à AR, “em mensagem fundamentada”.
A lei determina que uma proposta de referendo recusada pelo Presidente “não pode ser renovada na mesma sessão legislativa” e que o referendo não pode ser convocado ou realizado “entre a data da convocação e a da realização de eleições gerais para os órgãos de soberania, de governo próprio das regiões autónomas e do poder local, bem como de deputados ao Parlamento Europeu” – as eleições europeias em Portugal realizar-se-ão a 25 de Maio.
O referendo só tem efeito vinculativo “quando o número de votantes for superior a metade dos eleitores inscritos no recenseamento”. Tiago Duarte ressalva, porém, que, mesmo que não seja vinculativo, não significa que “não transmita uma opinião sobre o sentido da população que foi votar”.
Associações condenam e aplaudem
A Rede Ex Aequo – associação de jovens lésbicas, gays, bissexuais, transgéneros e simpatizantes já expressou “repúdio” pela proposta, defendendo que “o não reconhecimento” e a “não legislação dos direitos destas famílias” vai “contra as deliberações do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos”.
O presidente da associação ILGA Portugal, Paulo Côrte-Real, acrescenta que a co-adopção é uma questão “pacificada” na Europa e que Portugal está a colocar-se apenas ao lado de países como a Rússia, a Roménia e a Ucrânia. “É inconcebível que haja sequer apoio por parte da direcção do PSD, que é um partido que até agora não tinha dado mostras de um extremismo a este nível”, diz.
Já a presidente da Federação Portuguesa pela Vida, Isilda Pegado, considera que “se justifica” o referendo. Admitindo ser contra a adopção por parte de casais homossexuais, defende que numa matéria como esta as pessoas têm de ser ouvidas e garante que, caso haja referendo, a associação a que preside irá para a rua fazer sessões de esclarecimento e debates. “Não baixaremos os braços, deixando desprotegidas as crianças deste país”, afirma.