Conservatório: e pôr uma caixinha para recolher moedas no átrio?
A Escola de Música do Conservatório Nacional pediu na semana passada aos encarregados de educação donativos para pagar contas correntes. Nesta terça-feira ao final do dia o ministério da Educação garantiu reforço de verbas. Directora diz que não foi informada.
Os sons dos instrumentos fogem pelas frestas e fazem-se ouvir no corredor. A directora da Escola de Música do Conservatório Nacional vai batendo em cada porta — “Posso?” — , para mostrar algumas das salas que sofreram obras este ano, depois de terem chegado a ser encerradas por representarem um perigo para a segurança dos alunos. As marcas das infiltrações desapareceram. Numa sala está um professor e a sua aluna que toca oboé, noutra um professor com três alunos que tocam trompa, e mais à frente, noutra, uma professora com duas alunas que acabam de arrumar nas mochilas as partituras e se preparam para ir almoçar. “Por que é que não pomos uma caixa no átrio para recolher moedas?”, sugere esta última professora à directora que acaba de entrar.
“Ou então organizamos uma ‘semana do euro’? Cada aluno traz um euro...”, continua a professora, cheia de boa vontade. A directora admite que a caixinha para as moedas pode ser uma ideia.
Já antes, na portaria da escola o tema de conversa entre os funcionários era o mesmo: a carta que Ana Mafalda Pernão, a directora deste estabelecimento que tem mais de 900 alunos do ensino básico e secundário, publicou no site do estabelecimento de ensino na Internet, na semana passada, dirigida “aos pais, encarregados de educação e amigos”. Uma carta com data de 26 de Outubro onde escreveu: “Venho assim, e como principal responsável pela viabilidade económica da escola, solicitar o vosso apoio, no que for viável a cada um e nos actuais constrangimentos que todos sofremos, para a entrega do donativo que considerarem possível e justo.”
No final, o NIB: 078101120112001264926. Até esta terça-feira, já tinha recebido 567 euros.
Não é que na escola — uma das seis estatais de ensino especializado de música que existem no país —, já não se adivinhasse que as contas não andavam famosas. Por exemplo, deixou de haver papel higiénico nas casas de banho. Como medida de controlo de custos, os alunos devem pedir previamente a uma funcionária o papel de que precisem.
Mas mesmo assim houve professores e funcionários que ficaram surpreendidos com o apelo de Ana Mafalda na Internet. “O que se passa?”, tem ouvido.
“Se cada um der um euro, já serão 900 euros e, neste momento, qualquer ajuda é bem-vinda”, declarou à Lusa nesta segunda-feira. E o caso tornou-se mediático. Nesta terça-feira de manhã os pedidos de entrevistas sucediam-se — televisões, rádios, jornais... O que se passa?
6000 euros de electricidade
Ana Mafalda Pernão já tinha dito publicamente, em Maio, que tinha sofrido um corte de 70 mil euros no orçamento. O dinheiro não ia chegar, avisou. E há dias, mês de Outubro, requisitou à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares “os últimos cinco mil euros” a que tinha direito este ano.
No seu gabinete, Ana Mafalda Pernão, que é directora da escola desde 2009, explicava ao PÚBLICO, nesta manhã de terça: “Temos um orçamento de gestão, que vem do Estado — e que rondava, por ano, nos últimos 10, 12 anos, os 180 mil euros — e um orçamento de compensação, que é dinheiro que vamos conseguindo angariar, com fotocópias, inscrições para exames, donativos, receitas de concertos que organizamos...” As recentes obras no palco do salão nobre, por exemplo, foram pagas com receitas próprias, angariadas com concertos, e um apoio da Fundação Calouste Gulbenkian, contou.
Mas voltando ao dia-a-dia: é então com este bolo, de verbas públicas e próprias, que se pagam as contas básicas, as despesas de manutenção do edifício e dos instrumentos. Só pianos a escola tem 67 e só eles representam um gasto anual de 25 mil euros em arranjos e afinação — todos os anos é feito um concurso público para que uma empresa fique encarregada deste trabalho, diz a directora.
Depois há as despesas com a água e a luz — neste edifício que ao longo de décadas e décadas foi sofrendo acrescentos e transformações, as janelas estão demasiado velhas para fecharem bem, deixam passar o frio e as salas são mantidas quentes com aquecedores a óleo. “São seis mil euros por mês de electricidade nos meses de Inverno. Os aquecedores não se podem desligar, senão nenhum miúdo consegue tocar nada de jeito com o frio.”
Sim, não será o sistema mais económico, concede. Mas não há outro que esteja a funcionar no velho edifício.
Em 2014, a verba proveniente do Orçamento do Estado para estas e outras despesas de funcionamento (“o cacifo que se estraga, o vidro que se parte, a sanita que entope, essas coisas que acontecem numa escola”) passou de 180 mil euros/ano para 90 mil. “Mas dissemos logo que aquilo era impossível e ao longo do ano foram fazendo reforços”, prossegue. “No final, com os reforços, a escola acabou por receber, no total, à volta 162 mil.”
Este ano, 2015, o orçamento inicial conhecido em Maio voltou a ser de 90 mil. “Temos sistematicamente enviado emails, cartas, fazendo exposições, enviando folhas excel com as rubricas da manutenção, da electricidade, do economato, dos telefones... mas o que pesa mais é a água e a electricidade”, diz Ana Mafalda. “Faço pedidos quase diariamente”, acrescenta. E na carta aos pais fez contas: “O orçamento do Estado foi reduzido em 43% em relação ao orçamento do ano anterior, no montante aproximado de 70 mil euros.”
MEC autoriza reforço
O que a escola tem de receitas próprias não chega, acrescenta, até porque algumas resultam de protocolos específicos, para objectivos específicos, caso dos celebrados com as autarquias para o funcionamento dos pólos em Loures, Amadora e Seixal.
Mas ao final da tarde desta terça-feira, por volta das 19h00, o gabinete de comunicação da nova ministra da Educação Margarida Mano tinha uma informação nova. Os pedidos de reforço da directora tinham sido ouvidos, fez saber em resposta às várias perguntas colocadas pelo PÚBLICO.
“O ministério tem estado atento às necessidades manifestadas pela escola, tendo por isso mesmo autorizado em situações anteriores reforços de verbas. Relativamente ao pedido de reforço mais recente, recebido em 29 de Outubro, este foi, na sequência do parecer positivo proferido ontem [segunda-feira], já autorizado", explicou por escrito.
O gabinete de comunicação informava ainda que já tinha comunicado isso mesmo à escola. Mas, contactada uma vez mais Ana Mafalda Pernão, esta garantiu ao PÚBLICO que não sabia. “Ainda não recebi essa informação”, disse. “Mas é uma excelente notícia, se for verdade. Sabe quanto será?”
O ministério não deu valores. E a directora diz que só poderá dizer se, de facto, os problemas imediatos da escola estão ultrapassados — pagamento de luz, água, etc. — quando tiver noção dos montantes envolvidos.
Certo é que em Janeiro, tudo recomeça, pode recorrer aos duodécimos — o que significa que pode requerer um valor que não pode ultrapassar 1/12 do valor global da despesa definida para 2016 e que se baseará, provavelmente, nos 90 mil euros de 2015 que se revelaram insuficientes, nota. “São 7500 euros por mês, ou seja, é quase a despesa com a luz nos meses de Inverno.”
Mais obras
Na visita guiada pela escola, feita de manhã, ainda antes das notícias ministeriais, encontrámos Alexandre Branco, professor de Orquestra, encarregue de 130 alunos. Também ele anda envolvido nesta coisa de arranjar receitas que aliviem o sufoco. “Pode divulgar: dia 16 de Novembro teremos um concerto com os alunos, a ideia é angariar fundos para ajudar.”
Este professor é dos que acreditam que o que o Ministério da Educação fez foi descontar no orçamento da escola a verba que gastou nas obras de urgência, depois de em Fevereiro uma vistoria da Câmara Municipal de Lisboa ter obrigado a fechar dez salas. Chovia dentro de algumas, havia risco de incêndio e no pátio central — o único espaço ao ar livre que os alunos da escola têm para os recreios — caiam pedaços de frisos das paredes, “felizmente nunca caíram quando lá estavam estudantes”, segundo Ana Mafalda Pernão. Foram 43.500 euros em obras, financiadas pelo Ministério da Educação.
“Mas mesmo considerando que este valor foi incluído no nosso orçamento, a redução do mesmo ainda se cifrou nos 16%, ficando a escola impedida de realizar todos os seus compromissos, que há muito são contemplados, em virtude da obra que foi realizada”, escreveu a directora na carta aos pais.
O Conservatório de Música em Lisboa foi criado em Maio de 1835 e incorporado em Novembro de 1836 no Conservatório Geral de Arte Dramática tendo-se instalado no antigo Convento dos Caetanos. E é nesse mesmo edifício, entretanto aumentado, que continua a funcionar. Os seus alunos frequentam-no em diferentes regimes: alguns no chamado ensino integrado (ou seja, têm ali todas as suas aulas, as do currículo geral do básico e secundário e as do ensino especializado de Música); outros estão no regime articulado ou supletivo (frequentam as disciplinas de carácter geral noutras escolas e vão ao conservatório para ter a formação vocacional).
Ana Mafalda Pernão percorre os corredores, os átrios, as escadarias, para cima e para baixo. Os sinais de degradação continuam presentes, apesar de as obras mais urgentes terem sido feitas. Nos últimos dias de Nuno Crato como ministro da Educação foi-lhe entregue uma proposta, feita pela Parque Escolar em conjunto com a escola. A directora não sabe se foi aprovada.
Ao PÚBLICO o ministério fez saber apenas que “conhece as necessidades de reabilitação do edifício em que funciona o Conservatório de Música, estando a Parque Escolar EPE a acompanhar este processo”.
O ministério não esclareceu, contudo, quais os critérios de financiamento para o orçamento de gestão destas escolas — mas a Escola de Música do Conservatório de Lisboa não foi a única a ser alvo de cortes. Por exemplo, António José Moreira, director do Conservatório de Música do Porto, conta que também ele sofreu uma redução de 25% este ano. Com cerca de 1100 alunos recebeu em 2015 pouco mais de 80 mil euros. Para compensar, disse ao PÚBLICO, tem introduzido medidas como “pedir uma taxa de utilização dos instrumentos aos alunos”, de forma a custear as despesas com manutenção e afinação, e apenas os mais pobres, do escalão A de acção social escolar, estão isentos. Admite que não está a ser fácil a gestão — apesar de não ter chegado ao ponto de pedir donativos aos encarregados de educação.