Conselho Nacional de Educação teme que novos cursos vocacionais sejam dados por “operadores” alheios à escola

Órgão consultivo critica diploma que prevê que cursos vocacionais de dois anos tenham equivalência ao 12.º e está preocupado com o facto de poderem ser dados por entidades “fora do sistema de educação”, o que pode violar Lei de Bases da Educação.

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Para o CNE, diploma levanta questões de equidade Carlos Lopes/Arquivo

Em causa está a nova oferta educativa desenhada pelo MEC e dirigida aos alunos que vão para o ensino secundário: os cursos vocacionais. Com uma duração de dois anos, os estudantes vão poder optar por estes cursos, em que metade do tempo de formação é um estágio, que pode ser dado nas empresas. Os estudantes, alerta o CNE, ficarão com equivalência ao 12.º ano e poderão concorrer ao ensino superior, pelo menos aos cursos de curta duração dos institutos politécnicos, podendo depois mudar.

Mas o CNE está também preocupado com o facto de o diploma abrir a possibilidade de estes cursos serem feitos não apenas num modelo integrado entre escola e local de trabalho, mas na totalidade numa empresa ou centro de emprego, por exemplo.

Alegam que, segundo o diploma, “os cursos de ensino dual poderão” ser dados “por entidades certificadas em termos a definir” em portaria: “Esta medida merece-nos alguma reserva, uma vez que poderá significar que se está a abrir a possibilidade de existir uma oferta de escolaridade obrigatória fora da escola”, escrevem os especialistas, acrescentando que a consequência seria a criação de “uma modalidade de educação e formação” oferecida “fora do sistema de educação e formação, em ambiente única e exclusivamente pensado para o mercado de trabalho”, o que o CNE não considera “compatível com o contexto de educação”.

De acordo com este órgão independente com funções consultivas, cujo presidente é eleito pela Assembleia República, “tal formação, para além de poder carecer dos requisitos de qualidade que o ensino obrigatório deverá ter, correria o risco de ser apercebida pela sociedade como sendo uma formação de menor categoria, com as implicações sociais inerentes”. Esta abertura “a operadores” que não estejam abrangidos pelos estatutos do ensino particular e cooperativo e das escolas profissionais deve ser “excluída”, aconselham.

O CNE não está contra o reforço do ensino profissional, preconizado pelo Governo, mas considera que “não se pode aceitar” que esse “reforço possa ser realizado à custa de uma redução da formação científica e cultural, que é tão necessária para a qualificação dos alunos e para a sua adaptação à variabilidade das condições do mercado de emprego”.

Este órgão recomenda ainda que “seja excluída a possibilidade” de as unidades de formação de curta duração serem dadas no âmbito da formação em “contexto de trabalho” e que “não seja permitido que as componentes de formação sócio-cultural e científica sejam retiradas do contexto das escolas ou dos centros de formação acreditados”.

“Não nos parece ser aceitável que as componentes de formação sócio-cultural e científica possam deixar de ser atribuídas às escolas, que dispõem, de uma forma geral, de recursos humanos e materiais especialmente adequados para ministrar esta formação. Admitimos que em determinadas condições, certificadas pela entidade competente, esta formação seja dada igualmente em centros de formação”, lê-se no documento.

Duração de dois ou três anos
Segundo o CNE, o diploma refere que “os cursos de ensino dual podem ter a duração de dois ou três anos”, mas este órgão não aceita que “uma formação com dois anos de duração, após o ensino básico, com a qualificação de nível quatro” possa “ser considerada equivalente ao ensino secundário, que requer três anos” ou “possa vir a dar acesso ao ensino superior.”

“Não se compreende que ao ensino dual, que corresponde ou equivale ao ensino secundário, seja atribuída a qualificação de nível quatro, quando ao 12.º ano se reconhece apenas o nível três, como sucede num conjunto de países de referência da União Europeia que foram analisados”, lê-se no parecer do CNE, que será entregue ao Ministério da Educação e Ciência (MEC).

“Em nosso entender a qualificação de nível quatro deveria corresponder a uma formação posterior ao ensino secundário, como é, por exemplo, o caso dos cursos de especialização tecnológica e similares. Esta qualificação é menos compreensível ainda quando se admite que um curso do ensino dual possa ter a duração nominal de apenas dois anos”, nota o CNE que não está sozinho nos alertas. Também a Associação Nacional de Escolas Profissionais (ANESPO) vai propor ao MEC que estes cursos de apenas dois anos ofereçam uma certificação menor.

Do parecer do CNE ressalta, por isso, a preocupação com “a equidade”: “Sem prejuízo de permitir o prosseguimento de estudos dos formados pelo ensino dual, nomeadamente para o ensino superior, devem ser acauteladas as condições de acesso, de forma a manter a equidade relativamente a alunos provenientes de outras vias de ensino”, como o profissional.

O parecer do CNE aponta ainda várias outras falhas ao diploma, entre as quais o facto de não ser “suportado por uma avaliação dos sistemas que se encontram em funcionamento desde há vários anos”. Este órgão considera que “a inexistência de uma entidade que tenha a missão de avaliar, de um modo independente, o sistema no seu conjunto e os programas de formação em particular, constitui uma lacuna muito importante do sistema actual”: “Esta falha persiste no diploma proposto, uma vez que não contém qualquer referência a uma tal entidade ou função”, escrevem os especialistas.

O diploma em questão tem motivado polémica e os redactores deste parecer, aprovado com uma abstenção, defendem que deve ser “objecto de um consenso alargado”. O CNE recomenda à tutela que “que seja reconhecido o papel dos agentes que têm vindo a prestar um serviço de qualidade ao país, na promoção do ensino dual, em particular as escolas”.

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