Colapso do Citius deixou Governo sem dados para avaliar novo mapa judiciário
A Direcção-Geral da Política de Justiça (DGPJ) admite não saber quando o problema estará resolvido. Juízes e procuradores dizem que a situação é inaceitável porque impede a gestão do sistema judicial e o Conselho Superior da Magistratura mostra-se preocupado.
O Citius funciona, mas os dados não chegam ao Sistema de Informação da Estatísticas da Justiça (SIEJ) que até tem um portal na Internet para comunicar publicamente as estatísticas. A comunicação, porém, parou após a aplicação da reforma e só tem dados até 2013, quando 1,5 milhões de processos estavam pendentes nos tribunais de primeira instância. Já em 2012, eram mais de 1,7 milhões.
Estão em causa dados sobre o movimento de processos por tribunal e por área processual, assim como os indicadores de desempenho “muitos importantes para o Ministério da Justiça, em termos de monitorização e avaliação do sistema de Justiça e, em particular, da reforma judiciária, bem como para os próprios tribunais, como instrumento de planeamento e gestão”, explicou a directora da DGPJ, Susana Antas Videira.
Albertina Pedroso, a juíza presidente do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, que gere o Citius, sublinhou estar “em sintonia” com a DGPJ, responsável pelo sistema de estatísticas da justiça, para a resolução da questão. Mas a direcção-geral admite não ter um prazo para resolver o problema.
As estatísticas e os indicadores de desempenho dos tribunais num ano são sempre divulgados em Abril do ano seguinte. Em Abril, a DGPJ publicou uma “nota técnica” sobre o problema que se mantém, porém, três meses depois.
“Estão a decorrer os trabalhos de recuperação da informação e do restabelecimento de dados ao Sistema de informação das Estatística da Justiça a partir da plataforma informática de suporte à actividade dos tribunais”, explicou em reposta escrita enviada ao PÚBLICO Susana Antas Videira. A explicação da responsável foi enviada através do Ministério da Justiça, mas este, apesar de questionado directamente, não comentou a situação.
Juízes, procuradores e advogados consideram que a situação é inaceitável por impedir a gestão do próprio sistema judicial. “Quase um ano depois da nova reforma, é inaceitável que a ministra da Justiça insista que está tudo bem. É como se estivéssemos num barco a navegar com uma venda nos olhos. Há muito tempo que exigimos que seja dada uma explicação transparente sobre o colapso do Citius e que seja feita uma avaliação da reforma. É muito preocupante não se saber nada. O sistema não é fiável e pode voltar a 'crashar' a qualquer momento”, alertou a presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses (ASJP), Maria José Costeira.
Também o presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, admite a preocupação. “É muito grave. Estes dados são importantes para a gestão do sistema para colocar mais ou menos magistrados nas comarcas onde são precisos”, salientou.
A Ordem dos Advogados é ainda mais crítica com a bastonária Elina Fraga a destacar a “grande coincidência de os dados não estarem acessíveis” e a acusar a ministra Paula Teixeira da Cruz de estar a “branquear o falhanço da reforma”. Com os dados, “facilmente se percebia que a apregoada celeridade dos processos e a especialização falhou. Decorrido quase um ano, não são conhecidas as estatísticas por que não interessam”, acusa.
A preocupação chegou já ao Conselho Superior da Magistratura (CSM), órgão de gestão e disciplina dos juízes, que reconhece que os “dados actualmente acessíveis não são rigorosos”, devido à forma como ocorreu a transição electrónica dos processos que deixou os tribunais paralisados durante 44 dias em 2014.
“O CSM tem conhecimento da questão e tem chamado a atenção para a importância do restabelecimento dos dados estatísticos a qual é, aliás, reconhecida pelo Ministério da Justiça. A ausência de dados estatísticos constitui obstáculo relevante que se tenta ultrapassar” e “que prejudica um efectivo conhecimento da realidade processual”, disse o conselho.
Aliás, o CSM referiu mesmo estar a tentar contornar a situação “envidando todos os esforços para que a deficiência apontada não tenha demasiado reflexo na gestão dos tribunais”. A procuradora-geral da República e presidente do Conselho Superior do Ministério Público, Joana Marques Vidal, preferiu não comentar, mas adiantou que o Ministério Público “tem utilizado elementos estatísticos recolhidos pelos próprios serviços” para a sua planificação.
Os funcionários judiciais, contudo, são os únicos agentes do sector que não se mostram preocupados com o problema. “As estatísticas da justiça sempre foram uma falácia” e “só seriam importantes se servissem para alguma coisa, mas nunca fazem nada com elas”, criticou o presidente do Sindicato dos Funcionários Judiciais, Fernando Jorge, para quem a reforma judiciária "falha" devido "à estatística de funcionários que faltam".