Celibato obrigatório dos padres tem “os dias contados”, mas mudanças serão “graduais”
Antigos padres casados portugueses reúnem-se neste sábado em Gaia para aprovar texto a enviar ao Papa Francisco.
“A questão vai indo e vai continuar a ir: é uma questão de evolução natural do mundo e a Igreja irá adaptar-se”, antevê também o ex-bispo de Setúbal D. Manuel Martins. Pela parte que toca ao bispo de Viseu, D. Ilídio Leandro, a ordenação de homens casados podia começar a fazer-se “já amanhã”, conforme adiantou o próprio nas declarações prestadas esta semana sobre o tema. E, como lembrou ao PÚBLICO o ex-porta-voz da Conferência Episcopal Manuel Morujão, o “próprio Papa recordou que o celibato não é um dogma, mas uma lei da disciplina eclesiástica”.
Está assim criado um clima muito favorável às pretensões da associação Fraternitas (que congrega e apoia padres que pediram a dispensa das obrigações sacerdotais, muitos dos quais para se casar), que se reúne neste sábado em Gaia para debater e aprovar a versão final do texto que vai enviar ao Papa Francisco reclamando a presença de “uma família de padres casados” no sínodo para a família. Neste encontro entre os bispos, que decorrerá no Vaticano, entre 5 e 19 de Outubro, serão discutidos temas difíceis para a Igreja, como a situação dos divorciados em segundas uniões, o planeamento familiar e as uniões de homossexuais.
Aproveitando a boleia do próprio Papa Francisco, que, no regresso da sua viagem à Terra Santa, abriu as portas à discussão sobre o tema ao admitir que o celibato dos padres não é “um dogma de fé”, mas somente uma “regra de vida”, a associação Fraternitas vai voltar a lembrar a urgência das mudanças. “Vamos apelar, e valorizando até a experiência de padres casados que existem em Portugal, a que se abra esta possibilidade do sacerdócio com a vertente opcional pelo celibato ou pelo casamento e vamos pedir ainda que no sínodo esteja presente uma família de padres casados”, adiantou ao PÚBLICO Fernando Félix Pereira.
450 ex-padres casados
O presidente da Fraternitas, que pediu em 2000 a dispensa das obrigações sacerdotais para poder casar-se, calcula que haja em Portugal cerca de 450 ex-padres casados. “Todos os anos há novos casos de padres que pedem dispensa do exercício ou que, pura e simplesmente, se afastam”, sublinha, para enfatizar a falta que estes fazem à Igreja. Em meados de 2013, em Santarém, a diocese viu-se confrontada com o facto de seis padres terem, num curto intervalo de tempo, abandonado a função sacerdotal. Alguns assumiram ter despido a batina para poder casar-se. Em Vila Real, também vários padres se afastaram por quererem desistir da condição celibatária.
Para evitar rupturas desnecessárias, o presidente da Fraternitas, que congrega 115 padres que pediram dispensa sacerdotal, preconiza que o fim do celibato obrigatório se faça “de forma progressiva e pedagógica, para que as pessoas se possam ir habituando a ter padres casados”. O bispo emérito de Setúbal, D. Manuel Martins, concorda que a mudança se deve fazer no gerúndio: “Não será a Igreja a provocá-la, isto é, o celibato deixará de ser obrigatório fruto da evolução natural do mundo.”
Apontando casos como o do padre Saul, em Lisboa, que, “sendo anglicano, sentiu que se devia fazer católico e que, sendo casado e com filhos, continuou a ser sacerdote”, D. Manuel Martins diz acreditar que o primeiro passo será dado com a “ordenação de homens casados e o segundo com a readmissão dos padres que deixaram o exercício para se casar”. O teólogo Anselmo Borges também não acredita que vá aparecer um decreto papal a dizer que os padres podem casar-se. “Acredito que, ainda com este Papa, comecemos a assistir à ordenação de jovens casados, o que é diferente de pretendermos que a partir de um determinado momento os padres se possam casar”, antecipa.
Contra o celibato obrigatório, por entender que à Igreja não compete intrometer-se nos conteúdos morais sexuais, Anselmo Borges recorda que até os papas já foram casados na história da Igreja Católica. “Só no século XI, no âmbito das reformas de Gregório VII, é que o celibato se começou a pôr como condição para o exercício sacerdotal. Mesmo assim, a obrigatoriedade só se tornou contundente e definitiva no século XVI, após o Concílio de Trento, porque até então houve sempre tolerância”, situa.
E a crise de vocação?
Na altura, como escreveu frei Bento Domingues, num artigo publicado no PÚBLICO, o celibato visava, entre outros fins, acautelar os bens da Igreja que, “pelo matrimónio dos clérigos, passavam com muita facilidade para os seus filhos”.
A favor do fim do celibato, o religioso dominicano considera que “continuar a insistir nas mesmas condições para se ser ordenado padre é demasiada confiança no milagre da sua [padres] multiplicação”.
“Sem olhar de frente esta questão, continuaremos a lamentar obstáculos que nós próprios criámos”, avisa frei Bento, que distribui ainda críticas aos bispos que “continuam a não aceitar os muitos milhares de padres casados dispostos a continuar no seu ministério, pelo simples facto de não quererem contrariar a cúria romana”.
Ao PÚBLICO, o ex-porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa Manuel Morujão, diz não acreditar que o fim do celibato obrigatório vá responder ao problema da falta de vocações. “Compreendo que, se o celibato fosse opcional, haveria alguns jovens que assim assumiriam ser padres. Contudo, esta não é a questão essencial para a resolução do problema da falta de padres. É que, noutras confissões cristãs em que o celibato é opcional, a crise de vocações ainda é mais acentuada do que na Igreja Católica”, sustentou, na resposta que enviou por escrito às perguntas do PÚBLICO.
Apesar disso, concorda que a experiência dos padres casados que renunciaram ao exercício do ministério deve ser “aproveitada”. E, glosando o Papa Francisco, recordou que “o celibato não é dogma”, apenas “disciplina eclesiástica” e que nas igrejas do Oriente, plenamente unidas à Igreja Católica, “homens casados podem ser ordenados sacerdotes”.