Bispos não querem conflito com Governo na questão do casamento homossexual
O PÚBLICO conversou com alguns, que pediram para não ser identificados, e o tom é unânime: "O primeiro-ministro já disse que vai legislar, não temos que fazer guerra nenhuma", dizia um dos bispos contactados, a propósito do casamento de homossexuais. "O tema também faz parte do debate cultural e, por isso, não deixaremos de afirmar a nossa posição", acrescentava o mesmo responsável. Mas isso não significa entrar em qualquer tipo de guerra, dizia ainda.
"Não vemos essas iniciativas como uma provocação", diz o padre Manuel Morujão, porta-voz da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP). "É o que o Governo pensa sobre a vida e a família, a posição da Igreja vai noutra linha. Mas o que ela tem a dizer está dito" na nota pastoral da CEP sobre o tema, publicada em Fevereiro.
Lições do abortoA opção, a ser confirmada nesta assembleia plenária, parece colher as lições da campanha do referendo sobre o aborto, em que a CEP também não se não se envolveu directamente. Houve grupos de católicos que se movimentaram mas os bispos não entraram na campanha. Na anterior legislatura, o episcopado manifestou várias vezes o seu descontentamento com o atraso na regulamentação da Concordata e com várias opções do Governo no apoio às instituições de solidariedade ou no campo dos media. Pelos vistos, esse clima de tensão não se repetirá agora.
Também em comparação com a actual liderança do episcopado espanhol - do cardeal Rouco Varela, arcebispo de Madrid -, os bispos portugueses marcam diferença. A estratégia de Varela passa por contestar opções do Governo na rua - o cardeal e vários outros bispos estiveram mesmo presentes em manifestações públicas, uma atitude criticada por vários dos seus pares e que não é muito bem vista mesmo em instâncias do Vaticano.
Os vários bispos contactados pelo PÚBLICO insistem em que, em relação ao casamento homossexual, a hierarquia mantém a sua doutrina, reafirmada na nota de Fevereiro. Mas isso não se traduzirá em qualquer campanha mais intensa contra a iniciativa legislativa. Deverá, sim, ficar pela enunciação dos princípios.
No texto, intitulado Em favor do verdadeiro casamento, os bispos recusam a ideia de equiparar a união entre duas pessoas do mesmo sexo ao casamento heterossexual, embora rejeitando "todas as formas de discriminação ou marginalização das pessoas homossexuais" e assumindo que a Igreja deve acolher "fraternalmente" os homossexuais. Consideram esta proposta uma "tentativa de desestruturar a sociedade portuguesa", pois a vida humana deve assentar na "complementaridade do homem e da mulher" e na abertura "à geração de novas vidas".
Divisões no referendo
Há vozes, no interior da Igreja, que consideram que a atitude para com os homossexuais deve mudar. No seu texto de sábado no Diário de Notícias, o padre Anselmo Borges, professor de Filosofia na Universidade de Coimbra, defendeu que "não há razões para negar a comunhão" a um homossexual e que o Estado "deveria encontrar uma forma de união com consequências jurídicas semelhantes às dos casados", embora prefira que tenha outro nome que não casamento.
Questão paralela será a de saber se os bispos defenderão ou não a realização de um referendo sobre o tema. A opinião pública está partida ao meio, segundo a sondagem divulgada sexta-feira pela SIC e Renascença, por isso várias vozes têm pedido a realização do referendo.
O bispo do Porto, Manuel Clemente, afinou por esse diapasão, na semana passada. É necessária uma "reflexão mais profunda da sociedade" e um "grande debate nacional" sobre a legalização do casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmou. O porta-voz da CEP também disse à Lusa que a ideia do bispo do Porto é "respeitável", pois permitiria um "um debate esclarecedor" sobre o tema. Outros bispos dizem que, se a Igreja considera estas matérias não referendáveis, se devem abster de defender o referendo - hipótese que o primeiro-ministro, no debate sobre o programa de Governo, colocou de lado.
CEP vai pedir cautelas no testamento vitalUma coisa é ajudar a viver o final da vida, outra ajudar a morrer. Será este o tom dominante do documento sobre a eutanásia e o testamento vital que os bispos discutirão esta semana em Fátima, soube o PÚBLICO.
O texto procurará distinguir a eutanásia, que a doutrina católica condena, e o testamento vital, que recusa a obstinação terapêutica e que muitos responsáveis católicos vêm defendendo. Mas também neste capítulo a Igreja quer cautelas na legislação, o que não terá acontecido em Junho, quando o Parlamento apreciou o projecto do PS. Na ocasião, os bispos lamentaram a "pressa" com que um tema de tanta "transcendência" foi tratado sem "participação" da sociedade civil.
O padre Vítor Feytor Pinto, coordenador da Comissão Nacional da Pastoral da Saúde, da Igreja Católica, foi dos primeiros a assinar, há 20 anos, um testamento vital, ou declaração antecipada de vontade, juntamente com outros padres, bispos e leigos católicos portugueses e espanhóis. Não admitindo o suicídio do ponto de vista ético, Feytor Pinto diz que o testamento vital evita o encarniçamento terapêutico. "A pessoa deve dizer aos mais próximos que recusa os tratamentos inúteis, fúteis e desproporcionados. E o árbitro deve ser o médico, pois ligar ou desligar uma máquina é um acto médico."