Bastonária dos advogados pede exoneração da ministra
Ordem contesta novos estatutos propostos pelo ministério de Paula Teixeira da Cruz. "A ministra não sabe viver em democracia. Nem durante a ditadura se assistiu a algo assim!", acusa Elina Fraga
A possibilidade de abertura em Portugal de sociedades de advogados com não-advogados, prevista na proposta do ministério, é um dos pontos que os representantes dos advogados mais contestam. A Ordem repudia igualmente o apertado prazo dado aos representantes dos advogados para analisarem o documento, que de resto já terminou. "A ministra não sabe viver em democracia. Nem durante a ditadura se assistiu a algo assim!", acusou Elina Fraga - que convocou uma assembleia geral de advogados para o fim do mês para debater o assunto, até porque a proposta legislativa contém, no seu entender, “erros, omissões e deficiências graves”, além de referências a “tipos legais de crimes inexistentes na ordem jurídica portuguesa”.
A bastonária contou que Paula Teixeira da Cruz se recusou duas vezes a recebê-la e assegura que todos os titulares de todos os cargos na Ordem dos Advogados “repudiam a sua atitude neste processo, que configura um manifesto abuso de poder”. Para os advogados, a proposta ministerial de alteração dos estatutos pelos quais se rege a profissão esbarra com vários preceitos deontológicos, entre os quais a independência. "Permite que um consultor atenda um cliente da parte da manhã, na qualidade de advogado, para depois à tarde participar na elaboração de uma lei que o pode favorecer", exemplificou Elina Fraga. Esse é, aliás, no entender da Ordem, o problema dos deputados que praticam ao mesmo tempo advocacia. A bastonária queria tornar incompatível a acumulação da profissão com o exercício da actividade parlamentar, mas nada disso consta da proposta de diploma da tutela.
Ontem, em declarações ao PÚBLICO, o presidente da distrital de Lisboa da Ordem, António Jaime Martins, explicou que, se as intenções da tutela forem por diante, as mais de duas centenas de delegações da Ordem espalhadas pelo país deixam de ter fundamento legal para a sua existência. Pior do que isso, a proposta apresentada “é uma vergonha para o próprio ministério”, por “recorrer a conceitos usados na antiga organização judiciária”, que a própria tutela erradicou em Agosto passado.
A possibilidade de firmas sociedades multidisciplinares estrangeiras, com advogados e não-advogados, se poderem instalar em Portugal ou mesmo tornar-se sócias de escritórios portugueses é das ideias mais contestadas. "Mostra o desprezo da ministra pela independência dos advogados e a sua intenção de os transformar em assalariados das grandes consultoras", observou Elina Fraga. "Vamos pedir expressamente ao primeiro-ministro que proponha ao Presidente da República a sua imediata exoneração".
E se a Ordem defende não fazer sentido os seus estatutos serem aprovados sem os advogados serem ouvidos sobre o assunto, já o Ministério da Justiça diz não ter sido isso que sucedeu. A tutela assegura que o anteprojecto em causa foi alvo de "negociação com a Ordem dos Advogados" em Abril passado, tendo a proposta resultante desse processo sido "objecto de nova revisão técnica pelos serviços do Ministério da Justiça".
Elina Fraga critica Parlamento
Na conferência de imprensa em que pediu a exoneração da ministra da Justiça, Elina Fraga mostrou-se ainda bastante crítica por a maioria PSD/CDS ter inviabilizado a audição parlamentar dos ex-dirigentes do Instituto de Gestão Financeira e Equipamentos da Justiça, recentemente exonerados de funções na sequência do crash informático dos tribunais ocorrido entre Setembro e Outubro. "Não percebo como é que a casa da democracia não quer saber o que fez paralisar os tribunais", observou a bastonária.
O presidente do instituto, Rui Pereira, tinha-se disponibilizado para ser ouvido pelos deputados. Todos os partidos da oposição votaram favoravelmente a sua ida ao Parlamento. Para Elina Fraga, impedir a audição dos ex-dirigentes só serve para esconder as verdadeiras razões do colapso informático: a teimosia da ministra Paula Teixeira da Cruz em avançar com a reorganização dos tribunais a 1 de Setembro, apesar de ter sido advertida de que não havia condições para o fazer tão cedo.