As praias feias

As praias estão apocalipticamente feias. O mar levou tanta areia que destapou rochas escondidas durante décadas. Enfeitou-as com lixo de todas as espécies, desde troncos de pinheiro a bóias de pesca, passando pelas grades de cervejas e sacos de plástico que decidiu devolver à terra de quem as deitou ao mar.

Há uma espécie de justiça que se faz. Percebe-se que as praias são aberrações temporárias que um dia o mar há-de corrigir. Se não fosse o esforço dos trabalhadores das câmaras nos dias seguintes e nas vésperas do Verão, limpando, reparando e restituindo o que podem, as praias desapareceriam em poucos anos e tornar-se-iam infrequentáveis anteontem.

Tal como as outras paisagens que dizemos naturais, as praias são o resultado de intervenções humanas no sentido de preservar não o que a natureza fez, mas a imagem daquelas praias que consideramos aproximar-se mais do que constitui para nós, com quase toda a nossa subjectividade, o estado natural delas.

Esta é a visão de Fevereiro. Vem depois um único dia em Julho em que o mar decide repôr a areia toda e a praia volta a ser bonita. Acontece todos os anos. Mas é difícil lembrarmo-nos disso em Fevereiro. Em Fevereiro olhamos para as praias feias e pensamos que é assim mesmo que elas são.

Temos medo que nunca mais voltem a ser o que sempre foram. A verdade é que é a conjunção do trabalho humano e do clima que nos asseguram que as praias voltem, quando mais precisamos delas, ao que já foram.
 
 

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