Europa ignora boas práticas das universidades portuguesas
Relatório de grupo de alto nível da UE deixa Portugal de fora dos bons exemplos. Falta uma política nacional para o sector, defendem as instituições.
Nas instituições, há quem desvalorize a situação, mas a falta de uma política nacional para a área é apontada como o principal entrave a uma maior aposta em novas modalidades de ensino.
O relatório sobre os “novos métodos de ensino e aprendizagem nas universidades” foi publicado no final do mês passado e elaborado por um grupo de alto nível da União Europeia (UE), presidido pela antiga presidente da Irlanda, Mary McAleese. Entre os bons exemplos constam iniciativas de cerca de uma dezena de países europeus, dos maiores Estados, como Reino Unido, França ou Alemanha, aos parceiros mais pequenos, casos da Lituânia ou da Eslovénia. Na listagem das boas práticas já existentes na Europa não há uma única referência a Portugal.
“Tratam-se apenas de exemplos”, desvaloriza o vice-reitor da Universidade de Lisboa, Eduardo Pereira. Outra explicação para a ausência de Portugal “deve-se certamente a uma deficiente comunicação ou capacidade para divulgar as iniciativas em curso”, explica fonte da reitoria da Universidade de Évora. Mas entre as instituições de ensino superior público há também o reconhecimento de que nem tudo está a ser feito e que podia haver um maior investimento em modalidades como o e-learning (ensino não presencial baseado em suportes tecnológicos) ou o b-learning (do inglês blended-learning, ou aprendizagem mista, que combina ensino à distância e situações presenciais).
“A falta de enquadramento legislativo do ensino à distância é um obstáculo ao desenvolvimento de uma oferta bem estruturada”, considera José Luís Mourão, pró-reitor para a Organização Pedagógica da Universidade de Trás-os-Montes de Alto Douro. A falta de “uma política nacional para o efeito” é também apontada como um obstáculo pelo pró-reitor da Universidade do Algarve António Ruano. Faltam “políticas nacionais que apoiem e suportem, legalmente e financeiramente, estas práticas inovadoras”, concorda a pró-reitora do ISCTE Susana Carvalhosa.
O grupo de alto nível da UE foi criado em 2012 para avaliar o uso dos dispositivos digitais no ensino superior. No relatório publicado no mês passado são formuladas 15 recomendações, entre as quais a necessidade de desenvolvimento de quadros nacionais de competências para as questões digitais. O documento sublinha ainda a mais-valia da integração destas tecnologias nas estratégias de instituições de ensino superior ou a relevância desta matéria na formação inicial e desenvolvimento profissional dos docentes.
Das universidades e politécnicos contactados pelo PÚBLICO, só uma, a Universidade do Algarve, não tem, neste momento, formação de docentes nesta área. No Porto, por exemplo, existe deste 1998, um gabinete de apoio ao ensino não presencial e, na Universidade de Évora há um curso obrigatório de "Formação de e-Docentes". De uma ou de outra forma, existe na generalidade das instituições. Também há projectos específicos para o e-learning e o uso das novas tecnologias está presente nos planos estratégicos das universidades, como defende o grupo de peritos europeus. Na generalidade das instituições existem cursos (licenciaturas, mestrados e doutoramentos) de ensino de e-learning e b-learning, a que se juntam a aposta em plataforma de partilha de conteúdos por parte dos docentes, disponíveis na generalidade das instituições desde 2005.
“As instituições de ensino superior portuguesas têm também exemplos de boas práticas nesta área”, reclama, por isso, Rita Cadima, vice-presidente do Instituto Politécnico de Leiria. Esta instituição está a promover novos formatos com cursos online abertos e massivos (Mooc, na sigla internacional), através da plataforma UP2U. Estas formações são gratuitas e dirigidos ao público em geral. Nos primeiros quatro meses de funcionamento da plataforma, foram dinamizados dez cursos, nos quais se inscreveram um total de 4.095 utilizadores oriundos de 18 países. Também o ISCTE vai apresentar, em breve, oferta na área dos Mooc.
Peritos aconselham financiamento específico
Há uma recomendação entre as 15 feitas pelo grupo de alto nível liderado por Mary McAleese: os Estados e a União deviam ter financiamento específico para incentivar a utilização das novas tecnologias no ensino superior. Em Portugal não há nenhuma alteração neste sentido que esteja prevista, apesar de estar em discussão uma nova fórmula de financiamento das instituições públicas.
O grupo de McAleese defende programas específicos de financiamento ao uso das novas tecnologias no ensino superior tanto a nível nacional como europeu, aproveitando o novo quadro comunitário de apoio e programas como o Erasmus Mais. Entre as recomendações defende-se que “as autoridades nacionais devem apresentar financiamento específico para apoiar formas de integrar novas formas de ensino e aprendizagem através de oferta de ensino superior” e que “devem criar incentivos” financeiros a esta aposta, especialmente no contexto das novas formas de financiamento baseadas no desempenho.
Este é o tipo de alterações que o Governo português quer implementar na fórmula de financiamento do ensino superior, segundo foi anunciado em Maio. A tutela pretende que o desempenho das instituições em matérias como o número de licenciados e a sua produção científica seja tida em conta na hora de definir as verbas estatais dirigidas para cada universidade ou politécnico em cada ano.
O PÚBLICO contactou o MEC no sentido de perceber se esta questão está a ser equacionada na preparação da nova fórmula de funcionamento do ensino superior, mas não obteve uma resposta. Da parte de quem tem acompanhado o processo nas instituições de ensino superior garante-se que, até ao momento, a valorização da aposta nas novas tecnologias, em modalidades de e-learning ou b-learning “ainda não foi posta em cima da mesa”.