Apresentar queixa na Ordem dos Médicos pode vir a custar 102 euros

Proposta de revisão de estatutos contempla pagamento de custas e de taxas pelos queixosos.

Foto
A cobrança de taxas visa diminuir as queixas sem fundamento Rui Gaudêncio

O que se propõe é que as custas pelas participações feitas à OM possam ser "indexadas ao valor da unidade de conta, que é o valor base que a lei tem por referência para determinar as custas judiciais [dos processos junto dos tribunais]”, explicou ao PÚBLICO o reeleito presidente da Secção Regional do Norte da Ordem, Miguel Guimarães. Actualmente, a unidade de conta tem “o valor de 102 euros”, precisou.

O pagamento de custas (pelas participações) e de taxas (pelos recursos das decisões) foi introduzido na proposta de estatutos “não para diminuir as queixas”, mas para “responsabilizar todas as pessoas e ajudar a financiar (custear) a actividades dos conselhos disciplinares (que actualmente são apenas suportadas pelas quotas dos médicos) e desta forma permitir agilizar e tornar mais eficaz o trabalho”, justificou Miguel Guimarães. A proposta de revisão dos estatutos da OM está desde Fevereiro a aguardar apreciação no Ministério da Saúde e, depois disso, ainda terá que ser aprovada na Assembleia da República.

Foi também acordado que o regulamento poderá prever isenções, no caso de os queixosos provarem a sua insuficiência económica, e que, quem se queixar com razão, receberá de volta o dinheiro. Se a medida for aprovada, vai ser criada uma espécie de “taxa de justiça” a pagar pelas pessoas que fazem participações de médicos, mas num valor baixo, “não dissuasor” como o dos tribunais, garantiu entretanto ao PÚBLICO o reeleito bastonário da OM, José Manuel Silva. “Mas ainda está tudo em aberto, não sabemos se a proposta irá ser aprovada”, sublinhou.

A possibilidade de pagamento de custas — adiantada na edição desta sexta-feira do Diário de Notícias — já está, porém, a desencadear polémica. O ainda bastonário da Ordem dos Advogados, Marinho Pinto, discorda frontalmente desta medida. “Exigir dinheiro para apreciar queixas visa desincentivar as pessoas [de as apresentar] e não é próprio de uma associação de direito público”, sustenta Marinho Pinto.

O advogado acrescenta que na Ordem dos Advogados “houve dirigentes e membros de conselhos disciplinares a reclamar” a criação de uma taxa deste tipo, medida a que sempre se opôs. “O facto de haver muitas queixas é um bom sinal, é um sinal de cidadania, mesmo que estas sejam infundadas. Não temos que ter medo dos cidadãos”, sustenta.

O antigo bastonário da Ordem dos Médicos, Pedro Nunes, também não vê qualquer sentido nesta medida. “Essa proposta, no meu entender, é um disparate e, provavelmente, nem sequer é legal. A ordem é uma associação pública, não é um sindicato para defesa dos médicos. E como associação pública está ao serviço dos doentes”, defendeu, em declarações à TSF. O antigo presidente do Conselho Disciplinar do Sul da OM, Freire de Andrade, também não concorda com "o pagamento de emolumentos". "Não vai resolver o problema do excesso de processos e vai criar dificuldades a quem não devia ter dificuldades", diz.

José Manuel Silva retorque que “falta uma cultura de reclamação” em Portugal — “é preciso distinguir entre reclamações com consequências e reclamações feitas só num impulso de momento” — e nota que a OM tem um número de queixas cada vez mais elevado. "As pessoas não fazem ideia da despesa imensa e das horas de trabalho despendidas [com as queixas]".

No ano passado, os três conselhos disciplinares regionais receberam 748 participações, mais de metade das quais (421) no Sul. Em 2011 tinham sido recebidas 557 queixas e, em 2010, 447.

José Manuel Silva foi reeleito bastonário no acto eleitoral de quinta-feira com 8774 votos, num universo de mais de 45 mil médicos inscritos na OM. A votação mais expressiva foi a registada no Conselho Regional do Norte do OM, com Miguel Guimarães, que era candidato único, a ser reconduzido. No Centro, venceu Carlos Cortes e, no Sul, Jaime Mendes.

Alguns atestados deviam ser “taxados à parte”
O bastonário da Ordem dos Médicos, José Manuel Silva, defende também que os atestados para situações não relacionadas “com cuidados de saúde básicos”, como os atestados para revalidação da carta de condução ou para o uso de armas, deviam ser “taxados à parte”.

“Normalmente os médicos de família passam estes atestados (para a pesca, para o porte de armas, para a prática de actividades físicas), mas isso não faz parte das suas obrigações e consideramos que, eventualmente, se podem negar a fazê-lo”, diz. O que propõe é que isto seja “contratualizado à parte", para poder ser feito "fora do horário normal do trabalho" e que se crie "uma taxa específica para este tipo de serviços”.

Mas não são os serviços do Estado que exigem este tipo de atestados? “Se o Estado não tem condições para pagar tudo, não deve disponibilizar gratuitamente estes atestados, enquanto ao mesmo tempo coarcta o acesso a medicamentos inovadores”, alega José Manuel Silva.

Sugerir correcção
Comentar