Alimentos subiram para 2.º lugar na lista de produtos mais furtados
Furtos diminuíram 2% entre 2011 e 2012. Mais austeridade pode não significar mais furtos nos supermercados, mas uma mudança no tipo de produtos.
Se em 2011 os artigos de higiene pessoal e peças de vestuário eram os principais produtos furtados nestes estabelecimentos, no ano seguinte registaram-se mais casos envolvendo alimentos. Os produtos deste tipo passaram do quarto para o segundo lugar no ranking elaborado pela PSP.
Porém, esta alteração na tipologia de roubos não se fez acompanhar por um aumento no número de ocorrências. "Nenhum indicador, até ao momento, demonstra que, a um momento de retracção económica, corresponda um aumento de crimes", pode ler-se num documento daquela polícia. Aliás, as estatísticas policiais revelam mesmo que os furtos em supermercados diminuíram 2% entre 2011 e 2012.
Apenas o Departamento de Investigação e Acção Penal (DIAP) possui estatísticas mais recentes. Em Fevereiro deste ano, foram abertos, no DIAP de Lisboa, 264 inquéritos por furtos em supermercados, menos nove que no período homólogo do ano passado. Os dados reflectem o total dos crimes ocorridos nestes estabelecimentos, mas não especificam o tipo de produtos.
De acordo com Maria José Morgado, directora do DIAP de Lisboa, estes casos "são furtos primários, de bens de primeira necessidade, por isso não implicam sofisticação nenhuma". A procuradora acrescenta que são sobretudo crimes de natureza individual e não organizada.
Dois grandes truques
Embora sejam pouco exigentes em termos de técnica, o subcomissário da PSP João Humberto Moura refere que há dois grandes truques para furtar este tipo de bens em supermercados.
"Por um lado, há a técnica conhecida de embrulhar os artigos em folhas de alumínio ou prata, para que não apitem nos detectores. Depois há quem use roupas mais compridas para encobrir os produtos, ou quem os esconda dentro das roupas dos filhos, porque normalmente ninguém revista uma criança".
A GNR registou 447 furtos em supermercados em 2012, mas, tal como acontece com os dados fornecidos pelo DIAP, estes poderão incluir não só alimentos ou outros bens de primeira necessidade, como qualquer outro produto.
O responsável pela comunicação da GNR, capitão Marco Cruz, alerta para o facto de ser necessário "avaliar o aumento ou a diminuição da sinistralidade com rigor", uma vez que "os dados levantados pelas autoridades podem não reflectir a realidade".
"Muitas vezes, os supermercados acabam por não apresentar queixa, porque aquilo que se leva são coisas de valor insignificante. Pensam que é só um chocolate ou um pacote de batatas fritas e deixam passar", explica.
Estes furtos, por serem de pequena dimensão e de valor diminuto, acabam por desencadear processos que podem durar meses em tribunal, com custos processuais muito superiores aos do bem furtado, tanto para o Estado como para quem comete os crimes.
Foi o caso do sem-abrigo que, em 2012, roubou chocolates no valor de 14,34 euros num supermercado no Porto. Na altura, o homem foi acusado de crime de furto simples pelo Ministério Público. O Estado acabou por gastar mais de mil euros em diligências para tentar encontrar um ladrão que, por ser sem-abrigo, não podia ser encontrado ou notificado.
Empresas assumem taxas judiciais
Para evitar situações deste tipo, entraram em vigor na semana passada algumas alterações ao Código de Processo Penal, as quais explicitam que deve ser a empresa lesada - isto é, o supermercado - a avançar com a acusação e a pagar taxas judiciais. Esta modificação às regras só deverá ser aplicada caso o proprietário tenha conseguido reaver o objecto roubado.
O Relatório Anual de Segurança Interna relativo a 2012 (disponível aqui em PDF) indica que, nesse ano, as forças de segurança pública efectuaram 1024 operações de inspecção a superfícies comerciais, o que equivale a uma média de três fiscalizações diárias. Embora não existam números específicos para inspecções em supermercados, no geral houve menos 246 operações deste tipo do que em 2011.
Um outro exemplo de roubo de bens de primeira necessidade, mais recente, foi partilhado na página de Facebook da PSP. O testemunho difundido nas redes sociais dá conta da detenção de um indivíduo num supermercado, também no Porto, por ter tentado roubar alguns iogurtes, pão e leite - um furto na ordem dos quatro euros. Um dos agentes da PSP terá pago os artigos e advertido o homem para o facto de pedir ajuda não ser considerado crime.
"Não podemos aceitar este tipo de comportamentos, mas temos de compreender que estamos na fronteira da luta pela sobrevivência", ressalva o presidente da Cáritas portuguesa, Eugénio Fonseca. "Quando a fome aperta, não há racionalidade que lhe resista. Só rouba quem ainda não venceu a vergonha e isto acontece porque estigmatizamos os pobres", acrescenta.
Os pedidos de apoio a instituições também têm vindo a aumentar nos últimos anos. Entre 2011 e 2012, a Cáritas registou um aumento de 60% nas situações de emergência social, face a um aumento de 20% nos donativos. Em 2012, chegaram à instituição pedidos de ajuda de cerca de 160 mil pessoas, o que corresponde a 56 mil famílias. Os apoios incluem sobretudo produtos alimentares e roupa, isto é, bens essenciais.