Aberta investigação a grupo privado que operava doentes em lista de espera no SNS
Dúvidas sobre cobranças indevidas por parte do grupo privado Sanfil à ADSE e separação entre o exercício da medicina pública e privada motivam decisão. Publicidade feita em jornal sobre promoção nas taxas moderadoras também gera polémica.
O caso foi denunciado numa reportagem transmitida na quinta-feira pela SIC e, na sequência desse trabalho, “que suscita dúvidas acerca da gestão do SIGIC e da separação entre o exercício da medicina pública e privada – decidiu o ministro da Saúde enviar este caso à IGAS para proceder a averiguações, juntando-o a outros casos sobre alegadas promiscuidades neste campo”, lê-se num comunicado.
Na mesma nota, a tutela diz que Paulo Macedo deu, recentemente, através de um despacho, “orientações no sentido de reforçar o controlo da assiduidade dos profissionais do SNS, solicitando às unidades de saúde que evitem duplicações de horários de trabalho. Todos os médicos do SNS que pratiquem medicina privada devem, agora, submeter os seus horários à aprovação das chefias para que a prestação pública de cuidados não saia prejudicada e para se evitar impactos negativos no SNS”. E acrescenta: “O ministro da Saúde defende a introdução de regras mais transparentes para garantir a separação do público/privado e evitar os conflitos de interesses.”
O grupo Sanfil já estava a ser investigado pela Entidade Reguladora da Saúde (ERS), mas por motivos relacionados com convenções, licenciamento e qualidade. Segundo disse à Lusa a ERS, o processo de inquérito foi aberto no início de Dezembro. O grupo conseguiu instalar um aparelho de TAC em apenas um mês quando os procedimentos de segurança previstos na legislação demoram mais de um ano.
A investigação da SIC dá a conhecer alegadas cobranças ilegais no âmbito do sistema da ADSE, nomeadamente por medicamentos e dispositivos médicos nunca utilizados, e também ligações entre o Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra e a Sanfil pelo SIGIC, tendo o grupo privado ficado com 13,5% das cirurgias que os hospitais públicos não fizeram. A facturação da pequena empresa subiu de 4,5 milhões de euros para 44 milhões de euros entre 2001 e 2012.
Bastonário dos médicos quer mais investigação a privados
Em reacção à reportagem, o bastonário da Ordem dos Médicos, citado pela Lusa, apelou a que se intensifique a investigação na área dos prestadores privados que têm convenções com o Estado, à semelhança do que tem sido feito no âmbito das fraudes com medicamentos. José Manuel Silva enalteceu a “intervenção muito intensa e positiva” que o Ministério da Saúde (MS) tem tido no combate à fraude e à corrupção, considerando que o caso das ligações do grupo privado Sanfil com o SNS deve também ser “devidamente investigado”.
O bastonário considera que deve ser analisada a eventual ilegalidade, assim como deve ser investigado o facto de, “aparentemente, e contrariando o que o ministro tem manifestado como vontade, não haver abertura do sector convencionado à adesão de mais prestadores”.
Por seu lado, a Associação Portuguesa de Hospitalização Privada, num comunicado, explica que vai propor ao MS que se faça um fórum com todos os parceiros do sector com o objectivo de se definir “um Código de Conduta que favoreça uma total transparência nas práticas económicas do SNS". Na mesma nota o presidente da associação, Artur Osório Araújo, entende que o futuro passa pela liberdade de escolha em termos do prestador, mas com “transparência, concorrência, eficiência e qualidade”.
Promoções em taxas moderadoras feitas pela Sanfil geram dúvidas
O mesmo grupo publicou também no dia 28 de Dezembro um anúncio no semanário Expresso, a propósito dos 60 anos de existência, onde dizia oferecer até 31 de Março as taxas moderadoras e co-pagamentos nas consultas e exames, remetendo mais informação para o site ou para as unidades de saúde.
Na sequência de um parecer jurídico, o MS decidiu dar conhecimento do caso à IGAS e pedir a intervenção da ERS para que esta se pronuncie sobre “eventual irregularidade”, por considerar que “esta publicidade pode suscitar dúvidas e questões sobre a eventual irregularidade de oferecer/dispensar o pagamento das taxas moderadoras nas consultas e exames, promovendo a indução de consumo”. Segundo a tutela, se tal prática aumentar a utilização de cuidados de saúde excessivos ou desnecessários, isso vai gerar mais despesa pública, além de “desvirtuar a concorrência e colocar em causa a equidade no acesso aos cuidados de saúde”.
De acordo com o parecer jurídico, a que o PÚBLICO teve acesso, defende-se que as taxas moderadoras representam uma partilha de custos e “destinam-se a regular e moderar o uso dos serviços de saúde e o acesso às prestações de cuidados de saúde no SNS”, sendo também receitas para as unidades que prestam os serviços.
Ainda que no parecer se considere que as unidades podem prescindir de parte das suas receitas, defende-se que, neste caso, por as taxas moderadoras terem o papel de racionalização na utilização, a sua oferta “poderá induzir o utente, que deixa de ter aquele encargo, à procura e consumo desnecessário e excessivo de cuidados de saúde, cujos encargos acabarão por ser suportados por um financiador público, um subsistema, donde certamente poderá resultar um acréscimo não justificado de despesa pública” – falando ainda o parecer numa prática “meramente mercantilista”, própria de “actividades comerciais e industriais”.