“A unidade da revolta está nesta frase: Je suis Charlie. Somos um só”

Aos pés da estátua que representa a vitória e a liberdade, quase duas mil pessoas replicaram em Lisboa o protesto que se faz ouvir a nível mundial. "Je suis Charlie" foi o cartaz bandeira e democracia a palavra de ordem.

Cerca de 2000 pessoas compareceram à chamada aos Restauradores, em Lisboa
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Cerca de 2000 pessoas compareceram à chamada aos Restauradores, em Lisboa Miguel Manso
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“Para mim, Charlie Hebdo é Charlie Mensuel. Era uma revista de banda desenhada que publicou os melhores artistas de BD nos meados dos anos 70. No pós-25 de Abril, o meu pai começou a comprar tudo o que era proibido, a revista tinha uns laivos de erotismo, e aquilo para mim foi uma grande influência, nomeadamente o [Georges] Wolinski.” Depois do choque, veio a reacção: “A minha vontade era usar as minhas armas: afiar o lápis e enfiar-lhes fundo. Ou pegar numa resma de papel e jogar-lhes na cabeça. Mas prefiro usar essas ferramentas para desenhar.” Como a maioria das cerca de 2000 pessoas que compareceram à chamada aos Restauradores, o cartaz com letras brancas sobre fundo preto onde se lê “Je suis Charlie” resume aquilo que juntou esta gente nesta noite: “A unidade da revolta está nesta frase, 'Je suis Charlie': somos um só”.

O encontro marcado para a Praça dos Restauradores para o final da tarde desta quinta-feira, convocado através da rede social Facebook, partiu dos jornalistas da AFP em Lisboa. Jerôme Pin, jornalista, abordou o tema com os colegas, queria em Lisboa um protesto como aquele que se espalhava em várias partes do mundo, sob o lema “Je suis Charlie”. Patrícia de Melo Moreira, fotojornalista, criou o evento no Facebook, que passado algumas horas passaria de privado a público para poder chegar a mais gente e unir-se a outras iniciativas que entretanto estavam em marcha, como a da Associação dos Jornalistas Estrangeiros. "'Je suis Charlie' é estar a favor de uma liberdade de expressão, que ela continue, e para a qual eu trabalho todos os dias. E os jornalistas têm sido brutalmente atacados nos últimos tempos”, diz ao PÚBLICO.

Há 15 anos, quando Jerôme ainda vivia em França — vive há sete anos em Portugal — e procurava trabalho, o seu caminho cruzou-se com o do Charlie Hebdo. Era um espaço aberto a todos, de convívio: “Disseram-me logo: queres ir assistir a uma reunião de redacção? Anda!” Colaborou pontualmente com o jornal satírico, admirava os seus jornalistas, e quando, na quarta-feira de manhã, recebeu uma mensagem de uma colega da France Press em Paris, ficou consternado: “Fusillade chez Charlie Hebdo: 10 morts” (“Tiroteio no Charlie Hebdo: 10 mortos”). “Quoi?” (“O quê?”), respondeu Jerôme.

“Há o choque da morte desta gente, a minha geração cresceu com o Cabu, o Charb, o Wolinski, desaparecerem assim… O segundo choque é perceber que tal como no 11 de Setembro nos EUA, para a França vai haver um antes e um depois de 7 Janeiro de 2015.”

Tem medo que este pós-ataque traga mais intolerância ao seu país de origem: “Não vai facilitar uma integração que já não existe.” As filhas mais velhas, gémeas de 11 anos, aperceberam-se do estado de espírito do pai. “Aqui em Portugal há terroristas?”, perguntou uma delas. “Para uma criança perceber que se mata alguém por um desenho… É incompreensível. Para um adulto também não faz sentido”, conclui Jerôme.

Na praça ouvem-se palavras de ordem, o trânsito na Avenida da Liberdade foi parcialmente cortado. “Liberdade, gritamos o teu nome”, “Democracia!”. Na base da estátua há cartoons de homenagem ao Charlie Hebdo, alguns das dezenas que circulam por estes dias nas redes sociais. Há também velas e flores, uma manifestação feita vigília, para defender o que é ser-se livre. Poucos cartazes têm cor, como este: “Uma Kalashnikov contra um lápis de cor.”

Ao fundo da praça, Eduarda Guardino, professora primária na Escola da Mira, na Amadora, segura um tablet. Afastada das centenas de pessoas que quase duas horas depois do início da vigília ainda permanecem nos Restauradores, Eduarda segura um ecrã, virado para quem passa. Nele, uma foto com cartazes negros onde várias mãos escreveram “Je suis Charlie” com tinta branca. A professora trouxe para esta praça as crianças de sete anos a quem hoje deu uma lição sobre liberdade.

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