A “melhor prenda de Natal” para Alex foi a chegada do “recluso 44”

Desde a madrugada de terça-feira, altura em que José Sócrates chegou ao Estabelecimento Prisional de Évora, que muitos curiosos tentam espreitar o local. A varanda de Alex promete a melhor vista. A alternativa é tentar uma visita a outro recluso, como fez o PÚBLICO.

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A cadeia de Évora, onde José Sócrates está em prisão preventiva Pedro Nunes
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Tiago Horta, 20 anos, aluno de gestão na Universidade de Évora, é um dos donos do Beagle, a quem já não faltava animação na casa que acolhe quatro estudantes e onde o número está praticamente sempre duplicado pelos amigos. Não corrobora o entusiasmo de Alex com o número de vezes que a campainha passou a tocar. Mas, perante a vivacidade do companheiro, acede a que se subam as escadas do duplex da Avenida Lino de Carvalho para ver as vistas do local onde o cachorro aproveita para petiscar mais umas bolas de ração.

Em troca, por agora, basta responder ao apelo para festas. “Mas já pensei começar a cobrar bilhete”, brinca. Daqui foi possível assistir em directo à entrada do antigo governante na prisão, depois de indiciado por corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal qualificada. Porém, o único pátio ao ar livre que existe não é possível avistar. E já houve um cartaz colocado na varanda a dizer “a melhor prenda de Natal, porreiro pá”, que ilustra sobretudo a alegria do cão com uma expressão que celebrizou Sócrates.

Lá em baixo, para contornar os portões, a única forma de entrar é indo visitar algum detido. Tentamos um nome que não o de Sócrates. O toque do PÚBLICO à campainha permite, depois de se dizer ao que se vem, colocar um pé do lado de dentro. O guarda prisional espreita por uma portinhola e deixa-nos entrar. A entrada dá para uma zona desabrigada e rodeada de pilares inacabados há vários anos e com ferro à mostra que os guardas têm de percorrer para chegar aos portões.

Depois, levam-nos até à exígua e antiga sala de espera, através de um empedrado com vista para vegetação bem tratada, um limoeiro e um edifício que lembra as antigas escolas e em que apenas as grades e janelas cobertas remetem para uma prisão. Na sala há cacifos, um detector de metais e a lista de visitas admitidas por cada recluso. Não estamos nela e como a visita é de um órgão de comunicação social é recusada sem ser necessário perguntar ao recluso: as regras obrigam a que seja feito um pedido de autorização à Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

Saímos de novo para o bairro Horta das Tâmaras, onde a detenção do ex-primeiro-ministro e a sua chegada ao Estabelecimento Prisional de Évora é o tema do momento, de tal forma que a maior parte das pessoas nem se apercebeu que nesta quinta-feira o cante alentejano entrou na lista do património cultural imaterial da humanidade. A rua da prisão, a D. João Falcão, tem agora um engarrafamento nunca antes visto, acompanhado de buzinões.

A circulação, tanto a pé como de carro, é feita à velocidade de um caracol – que permite tirar fotografias com telemóvel, pôr a cabeça de fora do veículo para espreitar ou, no caso dos mais audazes, parar mesmo para tirar uma selfie. Os alunos da escola ali perto aproveitam os furos ou faltas de docentes para vir espreitar o local. “Pode ser que este caso sirva de exemplo a todos os políticos”, remata Wilson, aluno do 12.º ano, rodeado por amigos que gritam “olá Sócrates, olá vizinho”.

Tiago Horta e o amigo Leonardo Marques, a partir da varanda de Alex, reconhecem que já dispensam o corrupio, mas estão satisfeitos com a chegada de Sócrates, não pela detenção em si, mas pelo simbolismo que lhe atribuem. “Évora é uma câmara comunista e a população é muito ligada ao 25 de Abril e à liberdade e a detenção de um político é algo que só poderia acontecer em democracia”, esclarece Leonardo. “Mas é preciso lembrar que esta é uma prisão diferente”, acrescenta Tiago – em referência ao facto do espaço para 45 reclusos se destinar às forças e serviços de segurança.

Nessa prisão diferente, segundo apurou o PÚBLICO junto de fonte prisional, José Sócrates passou a primeira noite na ala feminina, numa cela especial, que tinha casa de banho privativa. Mas a solução foi apenas transitória, já que a chegada aconteceu depois das 3h. Entretanto já foi transferido para o rés-do-chão da ala normal, e tem agora uma cela do lado esquerdo, com oito a dez metros quadrados, com cama, roupeiro, secretária, televisão, lavatório e sanitários. Há ainda material de limpeza “para fazer a faxina”, já que os regulamentos prevêem que os detidos tenham de assegurar a manutenção do seu espaço. Toda a restante higiene, nomeadamente o banho, já passou a ser feita nos balneários comuns, assim como as refeições.

A mesma fonte assegura que o ex-primeiro-ministro tem convivido e tentado perceber as normas de funcionamento do estabelecimento, nomeadamente os objectos e produtos que pode comprar dentro da prisão, que lhe podem trazer do exterior, ou que pode pedir aos serviços prisionais para encomendarem. Isto porque as visitas, no máximo, só podem trazer semanalmente um quilograma de comida do exterior, e devem ser produtos facilmente verificáveis como bolachas secas. Chocolate, por exemplo, já deve ser encomendado pelo próprio e pago com o orçamento que é depositado na conta de cada um e que é da responsabilidade dos familiares e amigos do detido.

Sócrates tem também recebido algumas visitas. Depois de Capoulas Santos e de Mário Soares, nesta quinta-feira o primeiro a chegar foi Manuel Costa Reis, companheiro da ex-mulher de José Sócrates, Sofia Fava, que na terça-feira tinha sido uma das primeiras pessoas a visitá-lo. No compasso de espera para a entrada para visitar o recluso 44, Manuel Costa Reis confirmou apenas que é amigo de Sócrates e que traz “as palavras que os amigos trazem sempre”. Questionado sobre uma mala e um saco, de uma marca cuja loja existe precisamente na rua da casa de Sócrates em Lisboa, a Braamcamp, respondeu que são os livros pedidos e “um casaco porque está frio”. “Acredito na sua inocência”, repetiu. Sofia Fava tinha dito na terça-feira que o ex-marido lhe pediu livros de filosofia.

À saída, Manuel Costa Reis explicou que não conseguiu entregar umas luvas e um gorro e que o resto ainda terá de ser revistado. Sobre o amigo, disse que o encontrou “sorridente e cheio de humor”. “Fartámo-nos de rir e de falar do nosso Benfica”, adiantou, acrescentando que o ex-governante está “espectacular”. Questionado sobre se estava a ser irónico, visto que Sócrates está detido, respondeu: “Os homens invulgares vêm nos livros.”

A segunda e última visita foi de outra amiga, Fernanda Ramos, antiga governadora civil de Évora, cargo que desempenhou de 2005 a 2011. “Venho na qualidade de amiga do engenheiro José Sócrates”, disse. Sobre o processo, adiantou apenas que “a justiça deve exercer a sua função mas também respeitar o cidadão” e que acredita na inocência do antigo líder socialista. “Tenho uma admiração muito grande por ele e continuarei a ter”, completou. Ao deixar o estabelecimento prisional, disse que encontrou Sócrates “convicto de que a sua inocência será provada” e de que a detenção “é uma injustiça”. “Está muito bem psicologicamente e espera que se faça justiça”, acrescentou.

Nesta quinta-feira já há menos curiosos nas imediações do presídio de Évora. Só quando chega alguém, como aconteceu com estas duas visitas, é que alguns populares começam a gritar frases de protesto contra José Sócrates, mas que também incluem governantes do actual executivo liderado por Pedro Passos Coelho. Outros aproveitam o momento para o negócio. Ilda Silverina fura o aglomerado de jornalistas para distribuir panfletos do restaurante italiano de que é gerente e que funciona perto. “Já sabem que estamos abertos até às 23h e temos take-away. Mas como estão a trabalhar, se ficarem até tarde, liguem que faço um menu especial e trago aqui.”

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