A impossível viagem Lisboa-Madrid em menos de cinco horas
Presidentes da CP e da Renfe anunciaram uma ligação ferroviária entre as duas capitais em menos de cinco horas, mas tal não é possível sem vultuosos investimentos, que não estão previstos.
A notícia foi dada no sábado pelo Expresso, que acrescentava que a CP e a Renfe vão “apressar a nova ligação” e, citando o presidente da CP, “que as duas empresas querem fazer [este projecto] o mais rápido possível”.
Porém, nem a CP nem a Renfe, contactadas pelo PÚBLICO, explicaram de que maneira é possível oferecer uma viagem de comboio entre Lisboa e Madrid em menos de cinco horas. Perante perguntas concretas sobre qual o tipo de material circulante a utilizar, que obras seriam necessárias na infraestrutura para reduzir o tempo de viagem e qual a calendarização deste projecto, a CP limitou-se a responder que a empresa está “em permanente diálogo” com a Renfe e que “ainda não existem novidades a propósito deste produto”.
Por sua parte, o gabinete de comunicação da Renfe, num email não assinado, e perante as mesmas perguntas, respondeu apenas que “quando dispusermos de informação revelá-la-emos”.
As respostas não surpreendem. Para fazer Lisboa-Madrid em menos de cinco horas são necessárias intervenções nas linhas férreas que não dependem da CP nem da Renfe. E que são caras e nem sequer estão calendarizadas.
Vamos por partes. A actual ligação Lisboa-Madrid demora 10h15m, mas poderia ser reduzida em quase uma hora se não se tratasse de uma viagem nocturna em que o objectivo não é chegar rápido, mas sim proporcionar uma noite de comboio-hotel aos passageiros. Admitindo que seria possível fazer já 9h30, como fazer para reduzir esta duração até às “menos de cinco horas”?
Um aspecto que terá entusiasmado os dois gestores é o facto de uma nova ligação em alta velocidade vir ligar agora Madrid a Salamanca em 1h24m. Seria agora necessário – usando esse comboio de alta velocidade, que pode também circular nas linhas convencionais – conseguir que Salamanca-Lisboa se fizesse em 2h36m.
Para tal seria necessário que os espanhóis electrificassem a linha de Salamanca a Vilar Formoso. Trata-se de uma promessa assinada na cimeira ibérica da Figueira da Foz em 2003 e que, 12 anos depois, ainda está por cumprir.
Mas não bastaria electrificar. Seria preciso que o perfil da linha permitisse velocidades de 160 Km/h para poder chegar à fronteira portuguesa em 50 minutos desde Salamanca. Se isso fosse conseguido, seria preciso agora que de Vilar Formoso a Lisboa se demorasse 2h46m para se conseguirem as almejadas cinco horas de viagem entre as duas capitais.
Ora, a ligação mais rápida entre Vilar Formoso e Lisboa é precisamente de cinco horas. Seria preciso intervir na linha da Beira e na linha do Norte de forma a poder encurtar para quase metade esse tempo de viagem.
O PÚBLICO perguntou à Infraestruturas de Portugal (IP) quais os investimentos previstos para a linha da Beira Alta. “Está prevista (…) a reabilitação e a modernização da linha da Beira Alta no valor de 66,3 milhões de euros”, respondeu a empresa. Um conjunto de 33 intervenções a realizar ao longo de cinco anos, mas que não farão mais do que repor tempos de viagem que já foram perdidos devido à degradação da linha.
Para poder cumprir os objectivos de Manuel Queiró e Pablo Vasquez Vega, seria necessário que a linha da Beira Alta permitisse velocidades de 200 Km/hora, o que implicaria investimentos de 650 a 700 milhões de euros que, de resto, não estão previstos.
Por outro lado, seria necessário concluir a modernização da linha do Norte para que um comboio de Lisboa a Pampilhosa demorasse apenas 1h30. Ou seja, só após investimentos na ordem dos mil milhões de euros (do lado português) seria possível fazer Lisboa-Madrid em menos de cinco horas.
Do outro lado da fronteira, segundo a IP – que tem vindo a reunir-se com o gestor de infra-estruturas espanhol Adif –, “a electrificação de Salamanca-Vilar Formoso faz parte das prioridades do corredor atlântico, mas ainda não foi acordada nenhuma data de conclusão”.