8 de Março, Dia Internacional das Mulheres

Quando Clara Zetkin, socialista-feminista alemã, propôs a sua instituição, em 1910, evocou as aspirações e lutas de muitas mulheres em torno de elementares direitos civis, políticos, laborais e sociais. Há quem o associe a uma homenagem prestada às trabalhadoras de uma fábrica têxtil de Nova Iorque que, no dia 8 de Março de 1857, teriam reivindicado uma jornada de trabalho mais reduzida, igualdade salarial e direito a uma licença por maternidade. A violenta repressão policial teria determinado a morte a uma centena de manifestantes. A veracidade desta ocorrência está, no entanto, por ser confirmada. É ainda comummente referido um outro acontecimento trágico: no dia 25 Março de 1911, 146 trabalhadoras (sobretudo jovens imigrantes) teriam morrido num incêndio, depois de a administração ter ordenado o encerramento dos portões da fábrica Triangle Shirtwaist (Nova Iorque). Há vários registos históricos de grandes manifestações coletivas de mulheres operárias, organizadas tanto em 1908 (Nova Iorque) como nos anos subsequentes. Em 1912, em Lawrence (Massachusetts), designadamente, milhares de mulheres marcharam pelas ruas da cidade. Ao erguerem cartazes com a inscrição Bread and Roses, clamavam por salários dignos (pão) e melhores condições de vida (rosas). A verdade é que não há consenso acerca do acontecimento mais diretamente associado à evocação do 8 de Março, embora ninguém duvide que a data assinala o percurso combativo e coletivo de muitas mulheres, assim como as principais conquistas sociais, políticas e económicas já alcançadas. É de reter que a ONU assim o reconheceu em 1975, aquando da designação oficial do Dia Internacional das Mulheres.

Além da celebração das conquistas, a data sugere a relevância dos diagnósticos que evidenciam a persistência de discriminações nas várias esferas da vida social, as violações dos direitos humanos que ocorrem por todo o mundo, além das várias sombras mais próximas e recentes. A respeito do nosso país, optei por recordar a situação de enorme vulnerabilidade laboral e social em que se encontram muitas mulheres. Observando os últimos dados disponibilizados pelo INE (Inquérito ao Emprego, 2013), confirmamos que quase metade das mulheres em idade ativa não tem assegurada a sua independência económica. Se somarmos aos valores relativos às trabalhadoras que têm um contrato de trabalho precário aqueles que dão conta do número de desempregadas, desencorajadas (registadas como “inativas”, embora disponíveis para trabalhar) e subempregadas a tempo parcial, ficamos a saber que a vulnerabilidade abrange 44% da população ativa feminina. Importa notar que este valor está subestimado, uma vez que não contempla o trabalho por conta própria – onde se inclui o falso trabalho independente (dimensão da precariedade que as estatísticas não permitem desvelar). O desemprego de longa duração e de muito longa duração, a condição de pobreza persistente, assim como as reduzidas (ou mesmo ausentes) prestações e benefícios sociais contam-se entre os fatores que potenciam o risco de exclusão económica e social. Assumindo que uma das maiores conquistas compreende o reconhecimento da importância da independência económica, é assustadoramente elevado o número de mulheres que não goza da segurança e da estabilidade necessárias para viver em condições de dignidade, liberdade e autonomia.

O acentuado agravamento do desemprego acarreta um outro risco: o recrudescimento de uma linha ideológica conservadora sobre as relações de género, que evoca a naturalização da maternidade e remete para as mulheres a responsabilidade exclusiva pela natalidade e pelo cuidar. Subtrai-lhes, pois, o direito à realização profissional, à participação na esfera pública e à cidadania plena, ao mesmo tempo que nega aos homens o direito à realização pessoal na esfera privada. É esta a linha de argumentação de várias vozes que se exprimem a favor do trabalho a tempo parcial. Sucede que os estudos evidenciam que esta modalidade está frequentemente associada à precariedade e à insegurança laboral, representando um ciclo de acumulação de desvantagens que contribui, progressivamente, para a fragilização da empregabilidade dos indivíduos (frequentemente, das mulheres). A este respeito, importa não ignorar o peso das tradicionais ideologias de género nas opções individuais e na vivência dos tempos, assim como nas políticas e práticas de gestão empresariais. O aumento do trabalho a tempo parcial reforçaria, portanto, a segregação sexual no mercado de trabalho, o papel acessório dos homens na esfera familiar, a intensificação do trabalho não pago a cargo das mulheres, as assimetrias salariais (gender pay gap), o peso dos estereótipos de género e as discriminações que estes (re)produzem. Se a redução generalizada do tempo de trabalho seria um sinal de progresso e muito contribuiria para melhorar a articulação trabalho-família e a qualidade de vida (embora a tendência se registe exatamente no sentido oposto…), já a promoção do tempo parcial representaria uma armadilha para muitas mulheres e um recuo na desejada modernização das relações de género.

O debate sobre a natalidade não pode fazer-se à revelia da ambição de melhorar as condições de trabalho e de vida, de combater o desemprego, de travar a emigração ditada pela ausência de esperança, de persistir no investimento em infraestruturas públicas de apoio às famílias, de desenhar políticas fiscais favoráveis aos agregados familiares com mais crianças. Deve compreender, igualmente, o apelo a programas coerentes de educação/formação para a igualdade e a cidadania, a necessidade de incentivos para que homens e mulheres partilhem a esfera pública e a do cuidar (modelo de duplo emprego/duplo cuidar) e a aposta em modelos de organização do trabalho que se revelem mais inclusivos e familiarmente responsáveis. São estas algumas dimensões que esperamos ver integradas numa reflexão estratégica sobre o futuro do país. Entretanto, recordamos as vozes, as manifestações, a coragem, a tenacidade de todas as mulheres que não desistiram e de todas as que não se resignam. É também este o sentido do dia 8 de Março.

Professora do ISEG-ULisboa, ex-presidente da CIG – Comissão para a Cidadania e a Igualdade de Género

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