Tribunal europeu condena Portugal pelo traçado da Auto-Estrada do Algarve
Decisão tomada cinco anos depois de aberto ao trânsito troço que passa dentro da zona de protecção de aves de Castro Verde
Portugal foi condenado ontem pelo Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias por ter construído a Auto-Estrada do Algarve (A2) em parte sobre uma zona de protecção de aves. O caso tinha sido levantado em 2000 junto da Comissão Europeia por associações ambientalistas portuguesas e só agora foi concluído, cinco anos depois de a estrada ter sido aberta ao tráfego.A A2 passa numa extensão de 9,6 quilómetros dentro da zona de protecção especial (ZPE) de Castro Verde, assim classificada pelo Governo em 1999, devido à sua importância como habitat para aves selvagens. Espécies protegidas, como a abetarda e o peneireiro-das-torres, vivem nas estepes de cereais na região, em harmonia com a agricultura.
O traçado da A2 foi decidido em 2000 - com a chancela do Ministério do Ambiente, na altura liderado por José Sócrates -, mas o tribunal europeu considera que foi desrespeitada uma directiva destinada a proteger os habitats de espécies selvagens na Europa. De acordo com este diploma, os projectos que possam ter efeitos ambientais significativos sobre uma zona de protecção especial só podem ser autorizados se não houver alternativa de localização e forem de indiscutível interesse público.
O tribunal considerou provado que não só o traçado da A2 implicava impactes ambientais significativos, como não terão sido estudadas todas as alternativas possíveis. O estudo de impacte ambiental daquele troço da auto-estrada bastou para convencer o tribunal. O acórdão de ontem sustenta que o Governo não podia aprovar a obra - mesmo que a posteriori não se observassem efeitos significativos, como argumentou depois o Estado português.
O tribunal entendeu também que o Governo não avaliou uma alternativa de traçado, fora da zona de protecção, que tinha sido sugerida na queixa das associações ambientalistas Liga para a Protecção da Natureza, Quercus e Geota.
O PÚBLICO solicitou um comentário sobre a decisão do tribunal ao ministro do Ambiente, Nunes Correia, e ao secretário de Estado do Ambiente, Humberto Rosa, mas não obteve resposta até às 19h30 de ontem.
Zona de protecçãovai ser alargada
O Instituto da Conservação da Natureza (ICN) está a preparar uma proposta de ampliação da zona de protecção de Castro Verde, para compensar a passagem da A2 pelo seu interior, mas integrada num plano maior para alargar as áreas de preservação de aves estepárias no país, explica Sandra Moutinho, assessora de imprensa do ICN.
O trabalho começou a ser feito em Março passado pelo ICN e uma primeira proposta técnica foi apresentada em Maio. Agora, o instituto está a preparar a candidatura de alargamento, que terá de passar por uma consulta pública.
O presidente da Liga para a Protecção da Natureza, Eugénio Sequeira, considera que o alargamento pode não adiantar nada, devido aos cortes nas verbas para projectos agro-ambientais em Castro Verde. "A zona de protecção especial não vai funcionar se a agricultura não funcionar", afirma.
Eugénio Sequeira está satisfeito com a decisão do tribunal, mas diz: "Ganhámos, mas com atraso. Tinha de ser decidido logo." Segundo a Liga para a Protecção da Natureza, algumas espécies de aves afastaram-se da parte da zona de protecção cortada pela auto-estrada.
Portugal foi condenado apenas ao pagamento das custas do processo. Mas anteriormente o contencioso com Bruxelas já tinha feito Portugal perder parte do financiamento comunitário para a A2.