Refer suspeita de corrupção entre chefias intermédias e empreiteiro
Conhecida no meio como operação "carril dourado", a investigação já detectou várias alegadas irregularidades
Facturas falsas, trabalhos pagos que não se realizaram, levantamento ilegal de carris e excessiva cumplicidade entre quadros da Refer e a empresa SEF (Sociedade de Empreitadas Ferroviárias) são alguns dos factos apurados por uma auditoria mandada instaurar pelo Conselho de Gerência da empresa gestora de infra-estruturas ferroviárias e que já resultaram na instauração de cinco processos disciplinares, dois deles com intenção de despedimento.A operação "carril dourado", como tem vindo a ser designada por alguns ferroviários, surgiu na sequência do levantamento ilegal de carris na linha do Tua, em Abril do ano passado (ver PÚBLICO de 21/04/2004), por parte da SEF, uma empresa de Ovar, que é um dos principais empreiteiros da Refer na região Norte, em particular na linha do Douro.
Na altura foram levantados 559 toneladas de carris num troço desactivado da linha do Tua sem o conhecimento da administração da empresa, embora a SEF tenha assegurado que possui documentos que autorizavam aquele serviço e o transporte do carril. Contudo, veio a apurar-se que pelo menos 201 toneladas de carris foram roubados, tendo sido feita participação à GNR de Macedo de Cavaleiros, estando o respectivo processo a decorrer no tribunal daquele concelho.
A consequência imediata deste episódio foi a exoneração de um técnico com funções de chefia no Eixo Douro e Minho da Refer, que, segundo a administração da empresa, "ficou a dever-se ao reconhecimento da falta de perfil para a função que desempenhava".
As contas do km 85Investigações posteriores realizadas pela Direcção Financeira da empresa, que tem vindo a recolher documentação no terreno, indiciam que o alegado roubo é apenas a ponta de um icebergue composto por um alegado esquema de cumplicidades entre técnicos da Refer e a SEF que se traduziriam em facturas falsas e autos de trabalho que nunca se realizaram.
O PÚBLICO tentou obter esclarecimentos junto da SEF, mas, apesar de diversas tentativas efectuadas, nunca conseguiu chegar à fala com os responsáveis da empresa.
Os casos mais relevantes datam do Inverno de 2001, quando, na sequência de intempéries que provocaram desabamentos na linha do Douro, foi necessário proceder à sua reconstrução em alguns pontos com carácter de urgência. Um deles foi o quilómetro 85, perto da estação de Ermida, onde a queda de rochas provocou o descarrilamento de um comboio e a morte do seu maquinista.
Para recuperar a via férrea a SEF apresentou uma factura de 77.500 contos (387 mil euros), discriminando um conjunto de meios (quatro máquinas giratórias, quatro camiões, três compressores, quatro auto-betoneiras, quatro retro-escavadoras, quatro "bobcats") que não só nunca estiveram a laborar naquele local como, alguns deles, contabilizam mais de 24 horas de trabalho diárias...
Segundo o PÚBLICO apurou, a empresa apresentou ainda, pelo menos, mais uma factura relativa à mesma obra do quilómetro 85, embora, segundo testemunhos do próprio pessoal da via, quem desimpediu a via férrea tenham sido outros empreiteiros (Tecnosol e Borges) e não a SEF.
Facturas falsas em Évora
A administração da Refer procedeu à instauração de cinco processos disciplinares, dois dos quais com intenção de despedimento, por entender que os técnicos que assinaram os autos e as facturas prejudicaram a empresa em vários milhares de contos.
Contudo, estes casos não são inéditos. Em Janeiro de 2002 a mesma empresa SEF apresentou para pagamento um conjunto de facturas do ano anterior, no valor de 13 mil contos, referentes a trabalhos na região de Évora. Veio a descobrir-se não terem sido realizados, apesar de os autos estarem assinados e validados por um quadro da empresa.
A administração, na altura presidida por Cardoso dos Reis, recusou o pagamento e intentou o despedimento do referido técnico, que ainda interpôs uma acção judicial à empresa. O tribunal, porém, acabaria por dar razão à Refer, tendo-se concretizado o despedimento.
Curiosamente, após este processo, a SEF voltaria a apresentar as mesmas facturas, tendo a administração da Refer, entretanto já sob a presidência de Brancaamp Sobral, recusado o seu pagamento.
A SEF é uma das sete empresas do grupo O2, com sede em Ovar. Os seus principais clientes são a Refer - para a qual faz obras de construção civil, conservação de via e levantamento e tratamento de resíduos - e a CP, a quem presta serviços de desmantelamento e transporte de sucatas de material circulante. Em 2003 facturou à Refer 455 mil euros.