Conselho da Europa exorta Portugal a mudar leis sobre castigos físicos
Arranque da conferência de ministros da família marcado pela questão da violência contra as crianças
Maud de Boer-Buquicchio, secretária-geral adjunta do Conselho da Europa, criticou ontem, em Lisboa, um acórdão recente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) português que sustentou que dar uma palmada ou estalada faz parte da educação de uma criança. "Ao ler-se a sentença fica-se com a sensação de que se recuou no tempo", comentou, considerando que o texto encoraja os pais e educadores "a cometer actos de violência".Logo na sessão de abertura da conferência de ministros europeus responsáveis pelos assuntos familiares, que ontem teve início em Lisboa, Boer-Buquicchio acentuou o tema: "Muito falta fazer na Europa" para "abolir os castigos físicos sobre as crianças", declarou.
"Respeitar a dignidade humana das crianças significa que não podemos bater, não podemos magoar e não podemos humilhar. Ponto final." Até agora, apenas 14 Estados dos 46 que fazem parte do Conselho aboliram explicitamente os castigos físicos.
Momentos depois, numa conferência de imprensa, Boer-Buquicchio insistiu: "A natureza íntima e privada das famílias deve ser respeitada", mas isso não pode ser um "álibi para os pais fazerem o que querem com os filhos". E o caso português foi pela primeira vez mencionado. "Não costumo comentar sentenças...", referiu.
Mas fê-lo. Para falar do mais recente acórdão do STJ onde se aborda o tema. E para dizer que acredita que o Governo "vai esclarecer quaisquer ambiguidades" que existam na lei.
Foi em Abril que um acórdão do STJ foi tornado público. No texto analisa-se o comportamento de uma funcionária de um lar de crianças com deficiências mentais acusada de maus tratos a vários menores. A arguida foi condenada por, pelo menos duas vezes, ter amarrado os pés e as mãos de um menino de sete anos.
Mudar as mentalidadesJá outros actos, como palmadas e bofetadas, foram considerados aceitáveis. "Na educação do ser humano justifica-se uma correcção moderada que pode incluir alguns castigos corporais ou outros", entendeu o STJ.
Em declarações ao PÚBLICO, Boer-Buquicchio confessa-se preocupada: "O que me pareceu mais surpreendente é que não só se autoriza este tratamento a uma criança deficiente como se convida os pais e responsáveis pelas crianças a cometer actos de violência. Foi dado um sinal que é completamente errado."
Aos jornalistas, o ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Vieira da Silva, deixou claro que recusa qualquer forma de violência sobre as crianças. E lembrou que "está em curso a revisão do Código Penal", com "um reforço da criminalização dos maus tratos sobre as crianças".
A secretária geral do Conselho da Europa espera que essa alteração faça com que decisões como a do STJ "passem a ser impossíveis". E diz até que, se o Governo português precisar, o Conselho pode até dar-lhe apoio, "de forma a assegurar que a legislação é redigida de forma muito clara".
Mas, sustentou, também é preciso mudar o Código Civil. E as mentalidades: "Uma sondagem de opinião feita em Portugal mostra que, se não estou em erro, 80 por cento da população não tem objecções em relação ao uso de violência na educação das crianças e isso é bastante impressionante."