Voz da Polónia recorda em Lisboa valores euro-atlânticos
Sikorsky reafirmou as suas convicções europeístas e atlantistas.
Isso mesmo foi sublinhado por Nuno Severiano Teixeira, Vice-reitor da Nova, na sua apresentação do laureado. Sikorsky destacou-se como líder estudantil nos anos de 1980-81, quando o movimento Solidarnosc abalou a ditadura comunista na Polónia. A declaração da Lei Marcial por Jaruzelsky, em 1981, levou-o ao exílio no Reino Unido, onde se licenciou na Universidade de Oxford. São conhecidas várias peripécias divertidas da passagem de Sikorsky pelo Canning Club e pelo Bullingdon Club daquela Universidade, onde conheceu David Cameron, actual primeiro-ministro britânico. Em 1987, Sikorsky adquire a cidadania britânica. Será jornalista da Spectator e do Observer, destacando-se em várias reportagens de guerra, designadamente no Afeganistão.
Com o início da transição polaca à democracia, em 1989, Sikorsky regressa à Polónia e vai assumir várias responsabilidades governativas: secretário de Estado da Defesa (1992), secretário de Estado dos Negócios Estrangeiros (1998-2001), Ministro da Defesa (2006, quando tem de renunciar à cidadania britânica para poder assumir o cargo), Ministro dos Negócios Estrangeiros (2007-2014) e Presidente do Parlamento (desde 2014).
Num breve intervalo, entre 2001 e 2006, vive nos EUA, onde lidera a New Atlantic Initiative, com sede no American Enterprise Institute, uma instituição que visa promover a aliança atlântica entre a Europa e a América. Foi nessa qualidade que participou duas vezes no Estoril Political Forum, uma das quais acompanhado por sua mulher, Anne Applebaum, que lançou no Estoril o seu livro Gulag — um impressionante estudo sobre os campos de concentração soviéticos.
Ao discursar em Lisboa, na passada quarta-feira, Sikorsky reafirmou as suas convicções europeístas e atlantistas, prestando homenagem ao comprometimento de Portugal com os mesmos valores. Citando Edmund Burke e Karl Popper, Sikorsky sugeriu dois pilares desses valores que raramente são citados em conjunto: auto-controlo e liberdade.
Na sua célebre crítica à Revolução Francesa, o liberal Edmund Burke argumentou que não pode haver liberdade duradoura se os povos não souberem assumir voluntariamente limites sobre os seus próprios caprichos e apetites. Por outras palavras, a liberdade entendida como licença acabará por minar a própria liberdade.
Edmund Burke imortalizou esta ideia crucial na célebre passagem, citada por Sikorsky: “Nenhuma sociedade pode existir sem que um poder de controlo sobre a vontade e o apetite exista nalgum lugar; e quanto menos esse poder vier de dentro, tanto mais ele terá de vir de fora.”
Sikorsky recordou então que as nossas sociedades livres distinguem-se das despóticas porque submetem todas as vontades particulares a regras gerais — regras da lei, por oposição ao capricho da vontade dos poderosos, e regras gerais de boa conduta, por oposição ao capricho do apetite de cada um.
Foi esta proposta de convivência civilizada fundada em regras gerais que a União Europeia estendeu às suas vizinhanças a Leste e a Sul. Mas, quando polacos e portugueses olham para Leste e para Sul — quando em conjunto olhamos para Leste e para Sul, sublinhou Sikorsky — o que encontramos é o paradoxo da tolerância enunciado por Karl Popper:
“A tolerância ilimitada conduzirá ao desaparecimento da tolerância. Se estendermos a tolerância ilimitada até aqueles que são intolerantes, se não estivermos preparados para defender uma sociedade tolerante contra os ataques dos intolerantes, então os tolerantes serão destruídos, e a tolerância será destruída com eles.”
Este paradoxo da tolerância enunciado por Popper só pode ser resolvido — argumentou Sikorsky — se as nossas sociedades livres reafirmarem os seus valores e mostrarem que estão decididas a defendê-los. O argumento foi oportunamente retomado por António Rendas, Reitor da Universidade Nova, ao encerrar a sessão:
“Nos nossos dias, a Europa está tão preocupada em adquirir e preservar direitos que está em risco de esquecer como manter valores. As universidades foram, em parte, uma criação da civilização europeia para defender e manter valores.”