Voto de não-confiança
O dr. Ricardo Salgado resolveu envolver o Presidente da República, o primeiro- ministro e o vice primeiro-ministro na suspeita e obscura falência do banco e do grupo Espírito Santo; e numa carta à comissão parlamentar de inquérito anunciou que tinha falado com os três muito antes do desastre se consumar. A manobra é inteligente. Sozinho e ainda à solta (por uma caução de milhões de euros) Ricardo Salgado precisa de “politizar” as coisas para turvar o caso ou, pelo menos, para reduzir a sua responsabilidade nesta infecta história. A simples revelação de que se encontrou com os mais poderosos representantes do Estado (sem revelar o que disse e o que lhe disseram), insinua uma cumplicidade que provavelmente nunca existiu, mas que, mesmo em hipótese, lhe fornece um saco de justificações.
Para sorte dele, o dr. Cavaco reagiu com uma declaração embrulhada e comprometedora. Nada o impedia de reconhecer que vira Salgado e de lembrar cordatamente o seu dever de reserva. Com alguma parcimónia e gravidade, encerrava o assunto. Mas Cavaco, que sempre foi vingativo e provinciano, não ficou pela solução mais lógica e acrescentou muito excitado que nunca comentara a situação do BES, tinha citado simplesmente a opinião do Banco de Portugal sobre o BES – o resto era “mentira”. Ora, como o país logo concluiu, o Presidente da República não citaria a opinião do Banco, se não concordasse com ela. E, como o Banco se enganara, isto levou à ruína uns milhares de accionistas e depositantes do BES, que acreditavam na autoridade e no bom senso do dr. Cavaco.
A memória dos portugueses não é famosa e ninguém se lembrou do célebre episódio do “gato por lebre”, que inaugurou a carreira do homem. Só a esquerda, que o odeia com uma intensidade assustadora, ferrou o dente naquela miserável trapalhada e não a deixará tão cedo. E com razão. O dr. Cavaco exibe a cada passo, até nos mais pequenos pormenores, a sua incapacidade para o cargo em que infelizmente o puseram. Este incidente não é uma gaffe inócua e desculpável, é uma intervenção profunda na vida material do país, agravada por uma fuga desordenada à franqueza e à verdade política. O sr. Presidente da República devia daqui em diante observar um silêncio penitente e total, com o fim meritório de não assanhar a crise que ele consentiu e em parte criou. Não merece a nossa confiança.