Tribunal Constitucional é “uma exigência do Estado de Direito”
Na Europa coabitam diferentes modelos de tribunais constitucionais.
Foi no modelo austríaco que o poder em Portugal se inspirou para criar o TC na revisão constitucional de 1982, explica Moura Ramos, lembrando que “o primeiro tribunal deste tipo foi o instituído na Áustria em 1920”. Este modelo que hoje é também chamado de europeu, segundo Jorge Miranda, é, de acordo com Moura Ramos, um modelo que ganha consistência “a partir dos anos vinte do século XX” e assenta na ideia “da existência de uma instituição própria, com lugar próprio no sistema político, que tem um perfil específico e a quem incumbe velar” pela constitucionalidade das leis. “Em Portugal, tem mesmo um título próprio na Constituição”, salienta Moura Ramos.
O TC não é, por isso, "uma singularidade portuguesa”, lembra Jorge Miranda, enquanto Gomes Canotilho corrobora, afirmando que “o defensor neutro está em proliferação, não é só uma solução portuguesa”. Mota Pinto adverte que “os modelos de TC variam, mas há na maioria dos países europeus”.
Gomes Canotilho especifica que a existência de TC ou de Supremos é sustentada “pelas teses do jurista e filósofo austríaco Hans Kelsen no debate que estabeleceu com o jurista e filósofo alemão Carl Schmitt nos anos vinte e trinta do século XX”. O catedrático lembra que “Kelsen defendia a existência de tribunais que concentrassem a fiscalização da constitucionalidade”, enquanto “Schmitt defendia que a fiscalização da constitucionalidade devia ficar nas mãos do Presidente”. Este debate foi resolvido pela história, conclui Canotilho: “Com a ascensão de Hitler e do nazismo as teses de Schmitt foram derrotadas.”
Os TC alastram a partir da Segunda Guerra Mundial, naquilo que é a primeira vaga. Segue-se “uma segunda onda de crescimento com a revolução portuguesa do 25 de Abril, o fim da ditadura espanhola e os novos países africanos”. A “terceira surgiu com a queda do Muro de Berlim” e as novas democracias a Leste”, prossegue Canotilho.
A vitória de Mandela
O catedrático destaca mesmo que há hoje em dia “TC que são considerados fundamentais, como o da África do Sul, que nasceu de uma discussão entre Frederik De Klerk e Nelson Mandela”. E relata: “Mandela queria um TC e De Klerk queria um a vara do Supremo. Mandela venceu e o TC na África do Sul nasceu mesmo antes da Constituição e controlou o processo de elaboração da Constituição.”
O TC sul-africano foi o primeiro a ter um papel realmente interventor no processo legislativo. Canotilho conta que os juízes constitucionais da Africa do Sul tiveram de resolver problemas como “a questão de introduzir o princípio basilar democrático de uma pessoa um voto, numa terra de maioria negra, e também o problema do reconhecimento do direito de propriedade da terra aos negros”.
Há ainda o papel pioneiro do TC da África do Sul, em matéria de direitos humanos que o constitucionalista aponta: “O problema do direito à vida das crianças que nascem com sida”. Relata que um “movimento de cidadãos contra as farmacêuticas recorreu ao TC para que houvesse medicação para as crianças que nasciam com sida, depois de ter recorrido para o Presidente Mbeki que não quis saber”. A resposta do TC, conclui, “ foi de que elas tinham o direito à vida, e que o legislador e o Governo tinham a obrigação de garantir a vida.”
No universo cultural como o português vingaram os tribunais constitucionais, noutro, como o dos EUA, os supremos tribunais são o modelo, explica Moura Ramos. Nesse sistema Jorge Miranda refere o Supremo Tribunal de Justiça que tem mesmo o poder de fazer alterações às leis.
O papel de guardião da constitucionalidade cresce à medida que se afirma o Estado de Direito moderno. E tem como função ser um contra-poder, um poder contra-maioritário, como refere Canotilho, que serve de contra-balanço à maioria eleita que Governo. Daí que os TC não sejam compostos “por juízes de carreira, embora no caso português haja regra de que seis são magistrados, para assegurar ligação à ordem jurídica”, salienta Moura Ramos que frisa: “Mas são todos os nomeados pelo poder político e dez eleitos por dois terços da Assembleia”.
Para o ex-presidente do TC, que este perfil “não implica a politização, implica a ideia de que para poder decretar que uma regra não é constitucional, é preciso legitimidade também política e não só técnica.” No caso francês, “os membros do Conselho Constitucional são designados pelo Presidente da República e pelo Presidente do Senado”, o que “não significa nenhuma vinculação política, nem os seus membros se assumem como representantes”.
Também Jorge Miranda considera que “os juízes são independentes” e que “a ideia da politização é falsa”. Explica, porém, que estes tribunais “são sempre órgãos políticos” e afirma que também “os Supremos Tribunais de Justiça não têm juízes quimicamente puros”, os juízes “têm as suas opiniões, têm as suas posições e convicções, embora não pertençam a partidos”. O Catedrático da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa frisa: “Num TC sabemos a origem política por quem propõe, é transparente.”
Entre os TC europeus e os Supremos do modelo anglo-saxónico, Miranda lembra duas diferenças. Em países como o Brasil e os EEUA os lugares nos Supremos são vitalícios. Outra diferença é a de que “nos EUA é o Presidente que escolhe” e “na Europa é o Parlamento e ou o Presidente”, como acontece em Portugal..
Contra Eanes
Sobre o TC português, Miranda explica que para a eleição dos juízes propostos pela Assembleia, “é preciso dois terços dos deputados” votarem a favor, depois de haver “ acordo, todos em bloco, sobre os nomes que são propostos pelos dois principais partidos”. Já os mandatos são longos, têm nove anos. Hoje salienta Miranda, há “sete doutores em Direito, nos 13 membros que compõem o TC, são académicos”.
A revisão constitucional de 1982 foi momento em que os partidos do centro em Portugal impuseram ao Presidente da República a retirada do peso político dos militares, então nasceu o actual TC abriu a porta ao TC. Acabou com o Conselho da Revolução e substituiu a Comissão Constitucional, que trabalhava no seu seio, substituindo-a pelo TC.Em 1980/81, “houve grande disputa e o PS e o PSD desistiram da ideia de o Presidente propor parte dos nomes, por causa do conflito com Ramalho Eanes – Estas negociações foram feitas por Marcelo Rebelo de Sousa e por Almeida Santos”, lembra Jorge Miranda.
Nessa altura, optaram “pelo modelo que é de 10 membros, sete nomeados pela Assembleia e três cooptados”, explica Miranda que confessa: “Eu recusei duas vezes a nomeação para o TC porque discordo de que o Presidente não proponha.”