"Todos defendemos a mutualização da dívida, mas neste momento não é realizável"
Paulo Rangel critica o PS por ter a mutualização como "único ponto" da sua agenda europeia, quando o próprio candidato socialista à presidência da Comissão Europeia diz que isso não está na agenda.
Ao ler os seus artigos recentes, fiquei com uma dúvida: ainda é federalista?
Sou federalista há 20 anos.
Escreveu um artigo em que elogia a heterogeneidade de instituições e de cores políticas na comissão. Já não defende um governo homogéneo da Europa?
Se tivesse que escolher um rótulo, escolhia europeísta, não era federalista. Mas o meu pensamento não mudou. Já na altura era este. Uma coisa é termos um sonho e um projecto no horizonte. Sempre fui bastante realista. Se me pergunta se é possível a médio prazo ter um projecto federal na europa, eu digo isso não é viável neste momento.
Tem falado do risco do aumento dos extremismos europeus, sobretudo dos anti-europeus. A austeridade não está a favorecer os extremos?
Penso que o fenómeno extremista está mais relacionado com a crise do que com os remédios para crise. A grande bandeira dos extremistas não está relacionada com a crise, está relacionada com a emigração. Claro que isso que tem a ver com a crise porque tem a ver com o desemprego.
Acha que nestas eleições já se joga o futuro da europa enquanto União?
Sinceramente penso que não. Isto é paradoxal. A União Europeia está a descolar da crise, não é só a nível nacional. Acho que no próximo parlamento a questão mais integração ou menos integração vai estar em cima da mesa. Porque os extremistas e estes movimento eurocépticos a vão pôr.
Onde é que encaixa aí o PCP e a proposta de sair do euro?
A proposta de sair do euro é claramente eurocéptica. O Partido Comunista, dentro daquilo que é a definição ocidental de democracia, não é um partido democrático. Nessa proposta de saída do euro está em causa uma profunda desconfiança sobre a Europa. O PCP tem pelo menos uma virtude aqui: colocar a questão da saída do euro de uma forma clara e isso põe a nu as consequências que seriam muito gravosas.
O que lhe parece a proposta do PS sobre a mutualização da dívida?
A mutualização como um projecto a médio prazo está nos programas dos partidos pró-europeus, está no PPE, no PSD, no CDS e nos socialistas. O problema é se ela é realizável e para que é que serve. O PS está numa contradição fundamental. A única ideia europeia que ouvi – de resto só falam do Governo – é a mutualização da dívida. Nos juros e prazos, parece que está toda a gente de acordo e o Governo já fez isso e não fechou a porta a fazer no futuro, embora em moldes não necessariamente como outros defendem. O próprio candidato Schulz, candidato dos socialistas à presidência da Comissão Europeia, quando lhe foi perguntado sobre a mutualização disse – minuto 30 – que estava fora da agenda porque as taxas de juro baixaram radicalmente. A Comissão Europeia se for presidida por um socialista europeu, coisa que estou convencido de que não vai acontecer, não vai lançar esta iniciativa.
Não está na agenda agora, mas cinco anos é uma eternidade…
Estamos a falar na campanha em que o PS diz que a única coisa que está na sua agenda [europeia] é a mutualização da dívida. Há aqui uma contradição em relação à qual o PS tem de responder. A única ideia que tem para a Europa – e que é pobre – é uma ideia que o seu candidato não está disposto a apoiar.
Não é também uma contradição dos que defendem maior integração não exigir que essa integração passe também por uma maior solidariedade intergovernamental, sobretudo dos países que têm excedentes comerciais, como prevêm os tratados?
A UE, nestes cinco anos, entre 2009 e 2014, aprovou, o two pack, o six pack e o semestre europeu, são pacotes legislativos que permitem harmonização de políticas macro-económicas em que todos os estados estão a ser monitorizados. O excedente comercial da Alemanha já está a ser monitorizado pela Comissão Europeia.
Sem daí se tirarem consequências…
Não, o processo não está terminado, foi aberto. Estes três pacotes reforçaram o papel da comissão. Se olhar para os poderes que a comissão tem em termos de políticas orçamentais nacionais, coordenação e objectivos macro-económicos, isto é solidariedade europeia, isto é partilha de poder a nível europeu. Outro aspecto muito importante: Aprovámos a supervisão e regulação bancárias, dois dos três pilares da união bancária. Esses deram uma proeminência enorme ao BCE. Isto quer dizer que as duas instituições mais comunitárias, BCE e Comissão Europeia, saíram extremamente reforçadas, ao contrário do que se imagina.
O que é que Portugal ganhou com a presidência de um português na comissão europeia?
Portugal ganhou imenso, embora seja politicamente incorrecto. É evidente que a comissão tem uma posição neutral, e por isso não há ganhos materiais nem palpáveis. Quem são hoje os embaixadores da União Europeia em Washington, Brasil e Índia? São portugueses. Seria impensável se o Presidente da Comissão não fosse português. Os deputados portugueses têm um sobrepeso pelo facto de o Presidente ser português.
São ganhos de influência?
Exactamente.
Mas isso não mudou nada nas políticas que foi preciso aplicar em Portugal…
Acho que mudou muita coisa. Apesar de tudo, o processo português foi compreendido de uma forma bastante diferente de outros porque tínhamos esta rede. Tínhamos outra coisa a nosso favor: como os processos grego e irlandês foram anteriores ao nosso, permitiram alguma aprendizagem. Ganhámos imenso softpower, mas não podemos ganhar hard power porque isso seria a negação da própria comissão. Ganhámos uma visibilidade acrescidíssima e que se traduziu em ganhos para Portugal.