Socialistas consideram “erro grave” veto de Costa a coligação com PSD

Alguns membros do PS contestam estratégia mais virada à esquerda por recearem que pode retirar votos ao centro.

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Francisco Assis assumiu-se publicamente contra a viragem do PS à esquerda Nfactos/Fernando Veludo

Mas para já, Francisco Assis, que optou por ficar de fora dos órgãos nacionais do PS por divergências com o modelo de partido escolhido por António Costa, é dos poucos a assumir  publicamente as suas divergências, embora mesmo assim se mostra disponível para colaborar como militante de base.

A poucos dias da realização do Congresso do PS, Francisco Assis defendeu, numa entrevista ao site Observador, que o PS não podia fechar as portas a um entendimento com o PSD. “Se ninguém tiver maioria absoluta é desejável que exista uma coligação [à direita] para garantir a devida estabilidade política”, disse.

O ex-deputado Ricardo Gonçalves, apoiante do ex-líder António José Seguro, considera que António Costa “está a cometer um erro grave ao deixar que o partido tenha uma carga muito ideológica à esquerda e que isso acaba por afectar a sua própria imagem”. “Ao colar o partido demasiado à esquerda radical afasta o eleitorado que está descontente com Pedro Passos Coelho e também não consegue ir buscar os votos à abstenção”, explica Ricardo Gonçalves, sublinhando que  se a “estratégia fosse outra Costa chegaria ao eleitorado que se situa entre o PS o PSD”.

Ao PÚBLICO, o ex-deputado, que integra a nova Comissão Nacional do PS, que saiu do congresso do último fim-de-semana, diz que “nunca imaginou que esse fosse o caminho do partido” e defende que o “PS tem de ser um partido plural, porque hoje os problemas são muito grandes”. Afirmando que uma coligação com o PCP e com o Bloco de Esquerda “não é viável, nunca o foi, nem nunca será”, Gonçalves refere que “essa mesma esquerda tem posições muito diferentes do PS em relação à Europa, à NATO e à moeda única”, por exemplo.

Uma outra fonte do PS-Porto, também conotada com António José Seguro, discorda desta colagem à esquerda “imposta” por António Costa e adverte que “há matérias em relação às quais o PS não pode ceder, como sejam integração europeia, questões atlânticas, reestruturação da dívida pública, Tratado Orçamental e moeda única”. “Estas são questões em que a esquerda tem uma postura radical”, declara a fonte, frisando que “apenas” no aspecto social e de alguma maneira ambiental há convergência.

Um outro dirigente nacional considera que António Costa está a fazer um exercício que consiste em dizer que está disponível para um entendimento com a esquerda, mas sabe que essa esquerda não vai querer aliar-se ao PS. E a solução será fazer uma coligação à direita, como defende Francisco Assis, nota o mesmo dirigente.

Sublinhando que o PS está dividido, metade quer que vire à direita e outra metade quer que vire à esquerda – “essa divisão estava estudada por António José Seguro”, diz a mesma fonte –“a melhor solução passa pelo PS fazer acordos de incidência parlamentar em 2015, talvez com o Livre ou com o Partido Democrático Republicano”.

Instado a comentar, um membro do novo secretariado de António Costa foi taxativo. “Não haverá acordos com a direita que convertam o PS num continuador da política dos últimos três anos”, explicou Sérgio Sousa Pinto. O dirigente criticou depois os críticos pela falta de visão em relação ao que os eleitores esperam do PS: “Aparentemente há quem no PS pugne pelo jogo da alternância. Isso esvaziaria o último congresso do PS do seu significado. Trata-se de não frustrar as pessoas e o seu legítimo desejo de mudança real na condução do país”.

Mas um dia depois do Congresso que sublinhou o discurso virado à esquerda parece haver pouco espaço para iniciar esse debate. E mesmo no seio da corrente em que o diálogo colhe mais apoios – a que agrega os apoiantes de Seguro e que ontem erradamente no PÚBLICO foram incluídos Eduardo Cabrita, José Manuel dos Santos e Isabel Santos – o conclave de Lisboa assistiu a atritos que lhe retiram força política.

A verdade é que na madrugada de sábado a negociação das listas para os órgãos fez estalar uma disputa entre os que estão mais próximos de Álvaro Beleza e um grupo liderado por Miguel Laranjeiro, José Luís Carneiro, Rui Solheiro e Miguel Ginestal. Naquela noite, as listas foram revistas por mais de uma vez, com incidentes caricatos em que até alguns dos dirigentes mais próximos de Costa se viram forçados a intervir.

O braço-de-ferro sobre a indicação de nomes para os 30% que couberam aos apoiantes de Seguro deixou cicatrizes entre os dois grupos. E não é de descartar que no futuro estas duas facções se venham a digladiar pela liderança do que resta da corrente que foi encabeçada por Seguro.

Entretanto, no Porto, Manuel Pizarro, líder da concelhia do PS-Porto, que integra a nova direcção de António Costa, deverá deixar nos próximos dias a liderança do órgão concelhio para assumir o lugar no secretariado nacional, órgão de confiança do secretário-geral, para o qual foi eleito congresso do último fim-de-semana.

Pizarro deverá convocar a comissão política ainda esta semana para fazer a passagem do testemunho ao número dois da lista, Tiago Barbosa Ribeiro, porque os estatutos proíbem a acumulação de cargos executivos.

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