Socialistas

“Todos invocam o peso da crise nas escolhas extremistas. Mas cada um age como se se tratasse de um fenómeno natural, lamentável mas inevitável. A desregulação financeira, o desmantelamento dos direitos sociais, a redução do poder de compra das classes médias, forçar os assalariados a concorrerem entre si, tudo isto é apresentado como uma fatalidade e como se, pelo contrário, não resultasse de decisões concretas tomadas por indivíduos concretos – os governantes e os seus delegados europeus (e à cabeça a Comissão)” (Martine Bulard, “Nouveaux visages des extrêmes droites”, Manière de voir. Le Monde Diplomatique, abril-maio 2014).

Era bom sabermos com quem contamos para contrariar o avanço do racismo, do populismo, do neofascismo. Mas o que mais contribui para este fenómeno é levarmos anos a ouvir que o neoliberalismo económico em geral e o austeritarismo em particular são inevitáveis na era da globalização. O consenso – de que Cavaco tanto fala – foi sempre a marca das opções de política económica dos governos das direitas e dos socialistas que se apresentam como a “esquerda de governo” por essa Europa fora. Cavaco começou as privatizações, Guterres multiplicou-as. Durão começou a austeridade, Sócrates levou-a até aos cortes de salários e aos PECs, e Passos e Gaspar deram-lhe a forma infernal que ela assume desde há três anos. Consenso e continuidade, portanto. Vota-se num para pôr de lá para fora outro - mas continua tudo na mesma.

É esta uma caraterística do sistema político português? Não, claro! Na Alemanha, o social-democrata Schröder desregulou o mercado de trabalho e forçou a descida de salários. Perdeu eleições (2005) e o SPD não se lembrou de melhor que de fazer uma Grande Coligação com a direita de Merkel, a que regressou há meses atrás, depois desta mulher ter imposto ao Sul da Europa a receita da mais terrível pobreza dos últimos 40 anos. Nestas eleições, os socialistas europeus querem-nos convencer, contudo, que uma vitória sua permitiria salvar-nos da “atual maioria liberal-conservadora em todas as instituições da UE” e na maioria dos governos, que “não consegue dar uma resposta eficaz” à “pior crise económica que a Europa enfrenta desde os anos 30” (portal www.pes.eu/economy_and_finance). A quem se estarão a referir? Ao Presidente do Eurogrupo, o socialista holandês Jeroen Dijsselbloem (sim, aquele que se enganou quando incluiu no seu currículo um mestrado que nunca fez), que repetidamente insiste que o governo português, e o grego, e o espanhol, não podem relaxar nas medidas de austeridade que ele próprio tem proposto? Ao Presidente do Parlamento Europeu, o social-democrata alemão Martin Schultz, que sempre elogiou a política de austeridade imposta à Europa pelo governo Merkel de que o seu próprio partido, o SPD, faz agora parte? Ou será ao vice-governador do BCE, Vítor Constâncio, um ex-líder do PS, essa águia de visão aguda das fraudes bancárias portuguesas, que nunca cessou de pedir a Passos, a Portas, a Gaspar e a Seguro que, fizessem o que fizessem, não colocassem em questão as políticas comprometidas com as equipas da troika de que o BCE é uma das componentes? Ou será do socialista François Hollande, que dirige a segunda economia europeia, e que, depois de ser eleito em 2012 com a promessa de revogar esse espartilho austeritário que é o Tratado Orçamental, que contraria tudo quanto os socialistas europeus dizem sobre o Estado Social, não só fez marcha atrás, como passou a adotar a política de cortes que Merkel e os liberalões da Comissão Barroso lhe pedem? Lembremo-nos que, no mesmo ano, os socialistas gregos cometeram o seu hara-kiri político ao aceitarem integrar o governo da direita, de Antonis Samaras, que levou mais longe do que eles próprios haviam feito o mais radical e devastador dos programas austeritários europeus que deixou metade dos gregos na pobreza...

No Manifesto Eleitoral Europeias 2014 que o PS divulgou denuncia-se o governo de Passos “que se aliou ao que a Europa tem de mais conservador, para impor esta marcha forçada para o empobrecimento e a subalternização política.” Ou seja, queixa-se o PS de que Passos e Portas se aliaram com o socialista que dirige o Eurogrupo, os socialistas que dirigem o governo francês, os que estão no governo alemão e numa infinidade de governos do Norte da Europa, o socialista que está na direção do BCE, o socialista que preside ao Parlamento e que o PS apoia para presidir da Comissão...

No velho debate sobre como é que, à esquerda, se cria uma alternativa à destruição as políticas sociais (na educação, na saúde, na segurança social) que garantiram um bem-estar relativo que asseguraram décadas de paz à Europa, era bom que os que acham que sem os socialistas ela não se cria se lembrassem de que PS temos. “Temos de mudar de políticas e já!”, diz o seu manifesto. Quanta razão! Comece por si próprio, pelas políticas que o governo Sócrates assumiu, e por todas aquelas que os seus aliados europeus nos impõem!
 

   

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