Seguro: "Na minha consciência não encontro uma razão para me demitir"
"Isto é uma irresponsabilidade causada por ti", apontou o líder do PS ao seu desafiador à liderança, António Costa. E vincou o resultado das eleições, lembrando que o autarca de Lisboa não chegou aos 30% na primeira eleição à câmara.
Numa intervenção de 40 minutos, cuja gravação áudio foi disponibilizada aos jornalistas, António José Seguro começou por fazer a sua análise dos resultados eleitorais do passado domingo. Irónico, por vezes sarcástico, reafirmou as suas declarações no Altis que tanta polémica causaram entre alguns destacados militantes: "O PS ganhou as eleições. Repito para que ninguém tenha dúvidas."
As farpas seguiam, em várias direcções. Desde José Sócrates, que Seguro recordou ter iniciado as "doses de austeridade", em 2010, aos partidos da esquerda que "consideram que [o PS é] o terceiro partido da troika". Para Seguro, houve uma concertação política inédita: "Comissão Europeia, BCE e FMI alinharam todos no discurso favorável ao Governo" E tudo isso, vincou, apenas sublinha o significado da vitória do PS.
Depois, vieram as farpas para Costa. Directamente, medindo os resultados eleitorais de ambos, Seguro disparou: "[A percentagem obtida agora nas europeias foi] muito acima do que tu, António Costa, tiveste na primeira eleição para a CML. Ficaste abaixo dos 30%."
"Acham isto pouco? Acham que isto é uma vitoriazeca? António Vitorino sabem por quanto é que ganhou? 0,5%. Só que na altura havia solidariedade dentro do PS." As palmas iam pontuando as frases, num auditório maioritariamente fiel ao secretário-geral.
O 4.º piso do Hotel Golf Mar, no Vimeiro, estava agora ao rubro. Seguro recordava que nunca assinou ou negociou o memorando da troika e que conseguiu "limitar o crescimento da esquerda": "O PCP, o BE e o Livre não ultrapassaram os 20%. O PS andou bem em relação ao eleitorado da esquerda."
Mas, para Seguro, "o melhor indicador não vem das eleições". Vem do avanço para a liderança de António Costa: "A disponibilidade que manifestou na terça-feira não a manifestou há três anos, quando o PS tinha 20% dos votos."
Depois, Seguro passou a anunciar a sua própria agenda. O que faltou, assume, foi "congregar os votos de descontentamento em relação ao sistema político e ao sistema partidário. Os votos brancos e em Marinho e Pinto atingiram 15%".
Reforma do sistema político
E é para os "desiludidos e os desencantados" com a política que apresenta um pacote de medidas de reforma da lei eleitoral, com a "redução do número de deputados para 180" e a possibilidade de votação em listas abertas, em que os eleitores podem escolher um candidato fora da ordenação das listas. "Vamos abrir o sistema político", prometeu, com estas medidas que conta apresentar até 15 de Setembro – muito embora esta reforma, que precisa de dois terços dos deputados, não seja fácil, dada a oposição do CDS à redução do número de deputados que pode prejudicar a proporcionalidade e, consequentemente, diminuir a representatividade e a expressão dos partidos mais pequenos.
Seguro quer também aumentar o registo das "incompatibilidades dos deputados, mas também de outros cargos públicos" e levar a cabo uma "separação nítida entre política e negócios". Prometeu, a este respeito, estudar uma forma de impedir que os deputados possam acumular com a advocacia. "Irei até ao fim."
"O PS tem dois grandes adversários políticos. Um deles é a coligação PSD-CDS, que já vencemos. O outro é a indiferença e até a repulsa em relação ao sistema político", reforçou.
Na sala, alguns apoiantes de Costa diziam que este era um discurso "demagógico e populista".
"Vou dizer tudo o que penso"
Mas Seguro continuou, focando o problema interno. Apesar das vitórias que Seguro reclama, nas urnas e com o chumbo do Tribunal Constitucional, "o Governo está descansadinho, calminho". "O PS ensarilhou-se durante uma semana. Passou para a opinião pública que foram os derrotados."
De novo olhando para o presidente da Câmara de Lisboa: "Já disse ao António Costa e volto a dizer-lhe olhos nos olhos: foi uma irresponsabilidade provocada por ti."
"Podíamos estar hoje aqui a comemorar a nossa vitória", lamentou o secretário-geral. "Estive uma semana em silêncio para defender o PS. Mas chegou a altura de me defender e dizer tudo o que penso."
Com sarcasmo: "Imaginem que sou um munícipe de Lisboa. Estou descontente com a recolha do lixo em Lisboa. Se não te importas, marcamos uma reunião para tu te demitires e marcarmos eleições. Mas depois concorremos os dois." Risos na sala.
"No ano passado disse: 'Vamos a jogo.' O António Costa teve duas possibilidades. Teríamos com certeza tido uma disputa normal, entre camaradas. O ano passado, quando percebi que havia um movimento – visível, porque houve sempre um movimento oculto –, antecipei o meu mandato. Fiquei conhecido por 'qual é a pressa?'", continuou Seguro.
Entre os seus apoiantes, a apoteose veio depois: "Não me demito de secretário-geral do PS. Na minha consciência não encontro uma razão para me demitir."
Mas resta "um problema". "Agiríamos mal, se não enfrentássemos esse problema." Daí a "sugestão política inovadora" que trouxe, inspirada numa velha ideia de vários quadros do PS, de Francisco Assis a Álvaro Beleza, e que está em vigor nos Estados Unidos ou no PS francês, e em Portugal foi adoptada pelo Livre: eleições primárias.
"Abrir aos eleitores do PS e aos militantes a escolha do candidato do PS a primeiro-ministro", prometeu Seguro.
"Convocarei a comissão política para a semana, quer para marcar os congressos federativos, quer para iniciar este processo, novo para o PS. Àqueles que durante a semana disseram: 'O Seguro não quer o congresso porque tem medo', aqui respondo. Não tenho medo e não me escondo."