Seguro diz que há “divergências insanáveis” sobre estratégia para equilibrar contas públicas
Líder do PS reuniu-se durante três horas com o primeiro-ministro.
“Há uma divergência insanável no que diz respeito à estratégia orçamental. Nós consideramos que o país deve equilibrar as contas públicas (…) o modo, o caminho, a estratégia para o equilíbrio das contas públicas é o que nos opõe. Não nos opõe hoje mas desde sempre”, afirmou aos jornalistas o secretário-geral do PS, à saída do encontro com o primeiro-ministro, em São Bento.
Sem nunca dar detalhes sobre as diferenças de opinião, António José Seguro sublinhou que esta “divergência insanável prestigia a democracia e dá aos portugueses uma liberdade de escolha”. E assinalou que já existe um consenso político entre o PS e o Governo ao lembrar que os socialistas votaram favoravelmente o Tratado Orçamental e deram luz verde à inscrição da regra de ouro na Lei de Enquadramento Orçamental.
Questionado sobre se saiu da reunião com um maior detalhe de informação, o líder do PS sublinhou que não precisava de ter mais dados para concluir que existe uma “divergência” com o primeiro-ministro. Seguro disse não ter de justificar as três horas de reunião, mas acabou por desabafar aos jornalistas: “Não foi uma reunião fácil, como calcula, porque o primeiro-ministro tem uma posição e eu tenho outra.”
Passos Coelho convidou o líder do PS para uma reunião sobre o pós-troika e a estratégia orçamental, na véspera de se encontrar com a chanceler alemã Angela Merkel para discutir a saída de Portugal do programa de ajustamento. Em cima da mesa esteve o Documento de Estratégia Orçamental (DEO), que define as linhas da política orçamental para os próximos anos, e que o Governo tem de entregar em Bruxelas no próximo mês. O primeiro-ministro pretendia que o documento tivesse a assinatura do PS, mas o papel seguirá só com o selo do Governo.
Questionado sobre se Portugal pode ser prejudicado por falta de um consenso entre o Governo e o principal partido da oposição, Seguro rejeitou essa leitura e lembrou a crise política do Verão passado. "Não vejo como é que Portugal possa ser prejudicado porque não há nenhum grau de incerteza quanto ao objectivo central: o equilíbrio das contas públicas e uma consolidação saudável das contas públicas. Essa certeza os nossos parceiros europeus têm-na. Aliás, se houve alguma incerteza ao longo deste período foi provocada pelo próprio Governo aquando da demissão de Paulo Portas", afirmou.
Foi a primeira vez que Passos Coelho convidou António José Seguro para uma reunião antes de entregar em Bruxelas o DEO. Em 2012, o Governo enviou o documento para a Comissão Europeia antes de o entregar no Parlamento, o que levou a que o PS protestasse contra o que considerou ser um desrespeito pela Assembleia da República. Os DEO não são votados em plenário, mas é habitual os partidos apresentarem projectos de resolução em torno do teor da estratégia orçamental. No passado, a maioria parlamentar tentou negociar com o PS um texto comum para permitir que a bancada dos socialistas votasse a favor do projecto de resolução da maioria que suporta o Governo. Mas as negociações, que decorreram sempre na esfera parlamentar, não chegaram a bom porto e o PS votou contra a resolução da maioria. PSD e CDS fizeram aprovar sozinhos o seu projecto de resolução.
Três horas de reunião terminaram numa “divergência insanável”, que, como o próprio Seguro admitiu, já era conhecida antes do encontro. Um desfecho expectável depois de meses de apelos a um entendimento lançados pelo primeiro-ministro e pelo vice-primeiro-ministro sobre o pós-troika. Pelo PS, os dirigentes nacionais lembravam que Passos Coelho, numa entrevista televisiva em Dezembro passado, dispensava o partido numa eventual negociação de um programa cautelar. Os socialistas têm argumentado ainda – como veio sublinhar Seguro - que já deram o seu contributo em nome do interesse nacional ao votar favoravelmente o Tratado Orçamental e à inscrição da regra de ouro (limite à dívida) na Lei de Enquadramento Orçamental.
Relativamente à renegociação da dívida, que é proposta no manifesto subscrito por mais de 70 personalidades, António José Seguro disse defender “há muito tempo” essa solução, além de uma solução mais europeia que passa pela mutualização da dívida.
Na véspera de Passos Coelho seguir para Berlim para discutir a forma de terminar o programa de resgate, Seguro voltou a defender que é “obrigação do Governo criar condições para o país sair do programa sem qualquer apoio”. Caso contrário, “deve explicações aos portugueses”.
Horas antes do encontro entre Pedro Passos Coelho e António José Seguro, o coordenador da comissão permanente do PSD, Marco António Costa, disse não esperar apenas uma participação "institucional" do PS – o termo usado por Seguro para aceitar o convite do primeiro-ministro – mas também uma “participação construtiva”.
Pelo CDS-PP, Nuno Melo reconhecia a dificuldade de entendimento num encontro que via como uma oportunidade. “Esperamos que deste encontro também surjam oportunidades de consenso em relação a grandes reformas que o país tem de fazer, nem todas fáceis”, afirmou.
Salário mínimo na agenda
Depois dos partidos políticos, o primeiro-ministro vai também debater com os parceiros sociais a estratégia de saída do programa. “Ficou expressa a vontade de discutir com os partidos políticos e com os parceiros sociais o pós-troika”, destacou António Saraiva, presidente da Confederação Empresarial de Portugal (CIP), no final de uma reunião com Passos Coelho na concertação social para preparar o Conselho Europeu desta semana, realçando que não ficou agendada qualquer data.
“O primeiro-ministro mostrou disponibilidade para reunir com os parceiros sociais para discutir a visão estratégica do período do pós-troika”, confirmou o líder da CGTP, Arménio Carlos. “Não pomos em causa as intenções, mas o que temos visto ultimamente é que entre as intenções e a sua concretização medeia muito tempo. Por isso ficamos na expectativa”, reagiu João Vieira Lopes, presidente da Confederação do Comércio e Serviço de Portugal (CCP).
Os parceiros sociais saíram do encontro com Passos Coelho com a expectativa de que o salário mínimo nacional (congelado nos 385 euros desde 2010) será discutido até ao final do ano. Contratação colectiva e trabalho extraordinário serão outros temas a abordar com o Governo.
com Raquel Martins