Álvaro, o ministro que trazia um calendário debaixo do braço

A era do ministro da Economia, desde sempre tido como remodelável, chegou ao fim.

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O ministro da Economia, Álvaro Santos Pereira, anunciou hoje que "todos os produtores irão ser chamados a contribuir" Daniel Rocha

A profecia cumpriu-se agora, quase como inevitável perante a instabilidade política que as demissões de Vítor Gaspar e de Paulo Portas precipitaram. Álvaro Santos Pereira deixará para o seu sucessor muita papelada por resolver. Deixará também um gabinete com mobília que antes pertencia ao ex-secretário de Estado da Economia. Quando Almeida Henriques deixou o executivo, em Março, o ministro ficou-lhe, pelo menos, com a mesa de reuniões e algumas cadeiras.

Talvez não quisesse desfazer de imediato a preciosa ligação que tinha ao agora candidato a Viseu. Ligação essa que, pelo peso de Almeida Henriques dentro do PSD, lhe permitiu segurar durante algum tempo uma das pastas mais cobiçadas: a gestão dos fundos comunitários, que esteve quase a fugir para as mãos de Vítor Gaspar. Acabou por perdê-la, pouco depois, para o actual ministro adjunto e do Desenvolvimento Regional, Miguel Poiares Maduro.

A dúvida persiste. Será a saída de Santos Pereira fruto das circunstâncias ou das suas próprias circunstâncias? Ou de ambas? É que além dos fundos estruturais, o ministro, que até assumir o cargo era professor na Universidade Simon Fraser no Canadá, foi deixando que a sua tutela perdesse alguns órgãos vitais: as privatizações, o programa Impulso Jovem e, mais recentemente, o estatuto de portador de boas notícias na renegociação das PPP (um palco que também foi assumido por Poiares Maduro).

Álvaro é conhecido pela polidez de carácter e de humor, mas já há algum tempo deixou que o rótulo de remodelável se apoderasse dele. Começou por vir aguerridamente em defesa dos seus feitos, como inabalável defensor do país contra os interesses instalados. E, depois, deixou-se cair na tentação do que muitos, mesmo dentro do Governo, classificaram de "populismo", quando apresentou ao Parlamento uma medida para acabar com os carros e motoristas nos organismos e empresas públicas.

Outras ocasiões de amplitude semelhante colocaram os olhos do país no agora ex-ministro. Quando disse, um mês depois de tomar posse, que era tempo de "arregaçar as mangas e trabalhar, trabalhar, trabalhar". Quando em Novembro do mesmo ano pressagiou que "2012 certamente irá marcar o fim da crise". Ou quando, em Janeiro do ano passado, sugeriu a exportação de pastéis de nata.

Foi precisamente nessa altura que Santos Pereira conseguiu a maior vitória: o acordo de concertação social com a UGT e o patronato. O discurso, no entanto, coube ao primeiro-ministro. Outras bandeiras, como a reforma do IRC ou a venda da TAP, ficaram por hastear. Pelo meio, muita discórdia: a cobrança de portagens nas ex-Scut, a transferência dos contentores para a Trafaria e a escolha do irmão do presidente da Optimus para liderar a Autoridade da Concorrência são alguns exemplos. E, no final de contas, apontam-lhe como fracasso mais evidente a incapacidade de travar a escalada do desemprego.

O primeiro-ministro sempre saiu em defesa de Álvaro. Quando, ainda em Março de 2012, o ministro foi a São Bento de emergência por causa da polémica tentativa das Finanças de tomar de assalto os fundos comunitários e a remodelação parecia ser indiscutível, Passos Coelho disse: "Não tenciono prescindir dele." Os meses que passaram foram de uma tensão crescente na coligação, culminando no reforço de poderes do CDS e numa inevitável mudança na orgânica do Governo.

Santos Pereira tornou-se, afinal, prescindível. Desde que chegou a ministro, perdeu todos os secretários de Estado que o acompanharam na tomada de posse, à excepção de Sérgio Monteiro (dos Transportes). Quando a crise política rebentou, já estava fora. Em Berlim.
 
 

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