Retrato de Sócrates pelo próprio
Não é só o mundo inteiro que está contra Sócrates. É o mundo inteiro, a lógica e a matemática.
Palavra a José Sócrates (TVI): “Quando fui estudar para Paris, a primeira decisão que tomei foi pedir um empréstimo à Caixa Geral de Depósitos de 120 mil euros. Em 2012, a minha mãe vendeu o seu apartamento [no prédio Heron Castilho], deu-me a parte que me devia dar [NR: 75% de 600.000 euros, o que totaliza 450.000 euros] e isso deu-me para viver até ao final de 2012. Entre o momento que saí do governo até ao final de 2012, quais foram as minhas fontes de rendimento? Basicamente, a doação da casa da minha mãe.”
Palavra a José Sócrates (Expresso, 19 de Outubro de 2013): “Quando perdi as eleições [em Junho de 2011], telefonei à minha gerente de conta e pedi um empréstimo ao banco de 120 mil euros. Um ano sem nenhuma responsabilidade e levando um filho comigo. Gastei o dinheiro todo. Assim fui para Paris, em vez de, mais uma vez, pedir dinheiro emprestado à minha mãe.”
Palavra a José Sócrates (TVI): “A partir de 2013 comecei a trabalhar e comecei a ganhar dinheiro [NR: no início de 2013, Sócrates assinou um contrato de 12.500 euros mensais com a Octapharma, a que se seguiu um segundo contrato de 12.500 euros em Maio de 2014], e ganhava razoavelmente. Mas a verdade é que em 2013, porque o meu filho mais novo ainda estava em Paris e eu estava em Lisboa, as minhas despesas cresceram muito, e por isso, em 2013, apesar de já estar a trabalhar, recorri a empréstimos do meu amigo Carlos Santos Silva. Ele emprestou-me dinheiro durante cerca de um ano, até porque quando fui detido, em Novembro [de 2014], eu já ganhava 25.000 euros por mês e tinha a expectativa de poder pagar tudo o que lhe devia e rapidamente.”
Palavra à matemática: José Sócrates afirmou há dois dias na TVI – foi ele quem o disse, não eu, nem o Ministério Público, nem o Correio da Manhã – que em ano e meio, entre Junho de 2011 e o final de 2012, gastou 120.000 euros do empréstimo da CGD e 450.000 euros do dinheiro da casa da mãe, o que totaliza 570.000 euros em 18 meses. José Sócrates afirmou também que só em 2014 tinha pedido três empréstimos à Caixa Geral de Depósitos, o que credibiliza as notícias que indicam que até à sua prisão ele contraiu mais quatro empréstimos, de 25.000, 75.000, 40.000 e 30.000 euros (total: 170.000 euros). A isso se somam pelo menos 250.000 euros (“as contas ainda não estão completamente saldadas”, afirmou) emprestados por Carlos Santos Silva, até à data da sua prisão. Contas feitas, estamos a falar de 1 milhão de euros em pouco mais de três anos. Cerca de 25.000 euros por mês.
Para que fique bem claro: na entrevista à TVI, José Sócrates apresentou-se como um ex-primeiro ministro sem rendimentos, que à custa de empréstimos, mãe e amigo gastou 1.000.000 euros para tirar um mestrado em Paris. Sócrates entende que isto não é “vida faustosa”. “Onde é que está o luxo?”, perguntou. Digamos que para quem está alegadamente falido, o seu conceito de luxo é muito original. Contudo, a questão não está no luxo – está no facto de a frase “tinha a expectativa de poder pagar tudo o que devia [a Santos Silva] e rapidamente” ser uma mentira descarada. Mesmo a receber 25.000 euros (brutos) por mês, ele jamais conseguiria pagar rapidamente aquilo que devia com o nível de vida que levava, até porque, como disse, se não tivesse sido preso continuaria em Paris para tirar o doutoramento. Não é só o mundo inteiro que está contra Sócrates. É o mundo inteiro, a lógica e a matemática.