Por que não me vou abster
O PS avaliou mal o descontentamento do eleitorado flutuante, moderado e centrista, que é aquele que faz ganhar as eleições.
Se é certo que Costa nunca teria o meu voto, porque o seu PS ainda é em larga medida o PS de José Sócrates, a minha abstenção era muito fácil de obter. Há precisamente um ano, após ele ter vencido as primárias do PS, escrevi: “Com Seguro, eu seria obrigado a votar PSD. Agora, pelo menos, já me posso dar ao supremo luxo de votar em ninguém.” Foi esse supremo luxo que António Costa me roubou – e desconfio que não foi só a mim.
Conheço demasiadas pessoas que há seis meses juravam não votar em Passos e que entretanto mudaram de ideias, não porque a economia esteja espectacular ou porque tenham sido recentemente descobertas encantadoras qualidades no cerebelo do primeiro-ministro, mas porque a estratégia de Costa deu o empurrão que faltava à direita desiludida para colocar de novo a cruz no quadrado da coligação.
Eu votei em António Costa nas últimas eleições autárquicas, e fi-lo com toda a convicção. Sempre elogiei o seu excelente trabalho à frente da Câmara de Lisboa, acho que tem boas capacidades executivas e acredito que é o melhor candidato a São Bento que o PS tem para oferecer. Acho também que tem lidado da melhor forma possível com a questão Sócrates, que acertou ao ir buscar Mário Centeno e que foi sério na apresentação de um programa económico detalhado – coisa que a coligação, lamentavelmente, dispensou.
Mas a um programa centrista, António Costa contrapôs com assustadora frequência um discurso de esquerda radical. À sua direita, ofereceu mapas Excel; à sua esquerda, ofereceu elogios ao Syriza e discursos anti-austeridade. Adivinhem qual deles ficou no ouvido dos portugueses. Vá lá saber-se porquê, Costa preferiu ir tentar roubar 100.000 votos à sua esquerda em vez de ir à procura de mais de meio milhão de votos à sua direita. Ora, só mesmo o Homem Elástico consegue abraçar em simultâneo Mário Centeno e Jerónimo de Sousa. António Costa não é o Homem Elástico.
O PS avaliou mal o descontentamento do eleitorado flutuante, moderado e centrista, que é aquele que faz ganhar as eleições. Houve pequenas decisões simbólicas que deram a 600 ou 700 mil votantes um sinal completamente errado. Será que o centro quer mesmo a reposição dos feriados? Será que o centro quer mesmo o regresso a uma semana de 35 horas de trabalho? Será que o centro quer mesmo a diminuição do IVA na restauração? Será que o centro quer mesmo que seja o Estado a encontrar uma solução para os lesados do BES? Será que o centro quer mesmo que António Costa assuma o chumbo de um orçamento que desconhece? Será que o centro acredita mesmo que o PS está mais próximo do PCP do que do PSD? Esta mistura de demagogia política com medidas que convidam o país a regressar a um passado do qual ele quer fugir a sete pés é tudo aquilo que o PS deveria ter evitado.
Muita gente acusa o PSD de não ter uma perspectiva para o futuro, e isso é em boa parte verdade. Mas as acusações patéticas de “ultra-liberalismo” têm um efeito contraproducente: dão a ideia de que a coligação, bem ou mal, está a tentar encontrar um caminho alternativo, enquanto o futuro do PS é perigosamente parecido com o passado. Não tenho a menor dúvida de que a esmagadora maioria dos portugueses está descontente com o sítio onde está. Mas isso é radicalmente diferente de querer ir para o sítio onde o PS os quer levar.