Jerónimo avisa: palavra em vez de acordo; tratado e défice nem pensar

Em entrevista à SIC Notícias, Jerónimo de Sousa desvalorizou a necessidade de cumprir as metas do défice.

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Jerónimo de Sousa quis pôr Costa a criticar a Europa Nuno Ferreira Santos

Jerónimo de Sousa insiste em não se comprometer em revelar as matérias que PCP e PS têm estado, de facto, a discutir, e prefere encaminhar o assunto para a importância da “palavra” de um comunista em detrimento de um acordo no papel. Mas uma coisa é certa: o seu partido não se desviará do que prometeu, não aceitará respeitar o Tratado Orçamental só para apoiar um Governo PS, não aprovará quaisquer cortes em salários, nem se obrigará a respeitar os 3% do limite do défice estabelecidos para 2016.

“Quero aqui dizer, com todo o peso da palavra, que aquilo que estamos a fazer é procurar convergências e aproximações em relação a coisas muito concretas, de salários, reformas e pensões, de devolução daquilo que foi roubado a quem trabalha ou trabalhou, melhor acesso à saúde, educação, e apoios sociais, com coisas muito concretas”, afirmou o secretário-geral comunista numa entrevista à SIC e SIC Notícias na quinta-feira à noite. Ou seja, as questões europeias estarão, por enquanto, fora da mesa para que os dois partidos consigam manter a conversa.

E Jerónimo admite haver um “problema” nessas questões com o PS, “porque de facto no seu programa não existe a ideia de uma ruptura e alternativa verdadeira para outro rumo da vida nacional”. Jerónimo, no entanto, prefere ter “confiança” que, tal como o “mundo se move e mostra que o que parece irrefutável hoje pode não estar perdido amanhã”, também o PS “considere esta questão e faça opções em conformidade e que neste momento não propõe”.

Tendo em conta que a 1 de Janeiro ainda não haverá novo orçamento de Estado e que os cortes na função pública terminam a 31 de Dezembro, estará Jerónimo disposto a votar uma lei que os prolongue? A resposta é um rotundo ‘não’ – porque “não vem mal ao mundo” fazer derrapar o défice e o TC dizia que os cortes só valiam até ao final de 2015, justifica. Ou seja, o défice pode ter que ser revisto? “Obviamente é uma questão que está colocada. Não consigo que nenhum economista me explique porque é que tem que ser 3% e não 4%”, respondeu o líder comunista. Até porque “não podem ser os salários, as pensões e as reformas, não podem ser os direitos dos trabalhadores, a limitação do acesso à saúde ou educação a forma de tentar reduzir o défice a mata-cavalos” para cumprir o Tratado Orçamental (TO).

E até que o tratado seja revogado, o PCP aceitará respeitá-lo dando apoio a um Governo PS? “Obviamente que nós não fazemos isso [respeitar o TO] (…) Ao povo português damos esta garantia: votaremos a favor de tudo o que for positivo para os trabalhadores, o povo e o país; votaremos contra tudo o que prejudique os trabalhadores, o povo e o país.” De forma indirecta, acusou o PS de “fechar os olhos” aos constrangimentos do tratado (limite do défice) e da dívida” ao querer fazer uma “aplicação inteligente” do tratado. “O problema não está no erro” do PS ter assinado o tratado, disse Jerónimo, avisando: “O problema está em persistir no erro.”

Usando muitas vezes uma linguagem susceptível de diversas interpretações e contornando perguntas directas, Jerónimo de Sousa foi taxativo em muito poucas questões. Além de não detalhar os assuntos em negociação com o PS, também não explicou porque não há discussão a três – nem conhece os conteúdos das negociações e o desfecho entre PS e Bloco -, nem disse como se financia a devolução dos cortes nos salários e pensões

Com papel ou sem papel
Foi a segunda entrevista televisiva de Jerónimo de Sousa em menos de uma semana, mas apesar de os dias passarem e de ter havido mais reuniões entre socialistas e comunistas, não adiantou muito em relação ao progresso das negociações e um possível acordo. Pelo contrário: no sábado dizia na TVI estar “bem encaminhado”, agora diz que “a questão ainda não está nessa fase [do acordo]” e que se trata de um “processo que ainda não terminou” e “há ainda muito apuramento a fazer.

“Nós temos sempre este princípio – lá na fábrica dizíamos que o papel aguenta tudo o que se quer lá pôr – mas às vezes mais do que um papel, é a palavra dada. E quem nos conhece sabe que sempre, numa situação ou noutra, honraremos a palavra dada”, disse, acrescentando: “Com papel, sem papel, creio que isso não é a questão central. [o desafio que se coloca] É assumir compromisso particularmente com o povo português.”

O líder comunista negou liminarmente que tenha sido oferecido ao PCP qualquer lugar num futuro Governo como contrapartida pelas negociações. Jerónimo de Sousa também recusou – mas não explicou os argumentos - que haja uma contradição entre a acção do PCP em Lisboa, que negoceia e apoia o PS na formação de Governo, e a atitude dos seus eurodeputados em Bruxelas, onde defenderam a criação de um programa de apoio para os países que queiram sair do euro e uma emenda ao orçamento comunitário em que rejeita o Tratado de Estabilidade Orçamental, a Governação Económica e o Pacto para o Euro Mais.

PS insiste na ideia de acordo
Do lado do PS não surgiram sinais que manifestassem preocupação com as palavras de Jerónimo de Sousa. O líder parlamentar Carlos César frisou que que as negociações estavam a “correr bem”, insistindo na ideia do acordo. “Temos vindo a trabalhar na existência de um acordo que garanta a formação de um governo com o apoio parlamentar estável para uma legislatura”, disse esta sexta-feira, garantindo, “em nome do PS”, que esses esforços “estão a caminhar bem”.

Também o líder parlamentar do PCP, João Oliveira, abordou a questão para garantir que não sente qualquer instabilidade, mesmo existindo “diferenças de perspectiva” que considera naturais. “Da nossa parte não sentimos instabilidade nenhuma na discussão que temos estado a fazer e continuamos a fazer de forma séria e aprofundada, procurando encontrar as políticas que respondam à situação do país”, disse no Parlamento, acrescentando que “a durabilidade de qualquer solução governativa resulta das opções políticas que sejam feitas”. O que interessa aos comunistas, frisou, é responder aos problemas da população – dos reformados, dos precários, dos desempregados.

A ideia foi reforçada por outros dirigentes socialistas contactados pelo PÚBLICO. “Está tudo ok. Mesmo”, assegurou um membro da direcção do PS. Outro socialista assumia que, “à medida que o tempo avança, estamos mais próximos de assinar” o acordo. E ainda outro dirigente relativizou a entrevista do secretário-geral do PCP, afirmando que este estava a “falar para o interior do seu partido”.

Quem também falou para o interior do seu partido foi o deputado e ex-membro da direcção de Seguro, Eurico Brilhante Dias. Numa entrevista ao jornal Oje, voltou a defender que “o PS devia de ir para a oposição” para “condicionar as políticas e ser uma força de controlo de fiscalização do Governo e até do ponto de vista legislativo, de alteração de alguma legislação que a força da maioria alterou na última legislatura”. E apesar de considerar que um voto contrário à bancada no momento das moções de rejeição não era de esperar, não deixou de frisar a intenção de “politicamente, discutir o conteúdo do acordo” que a direcção do PS tem negociado com PCP, BE e Verdes.

 

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