Passos demarca-se de renegociação da dívida e de eventual “desastre” na Grécia
PS assume discordar de algum “populismo” do Syriza.
“Não estarei do lado de nenhuma conferência para reestruturar ou perdoar dívida à custa dos povos europeus”, garantiu o chefe de Governo, depois de colocar Portugal entre os países que “fizeram um esforço bem-sucedido para resolver os seus problemas”. “Não quero voltar a passar, e não creio que os portugueses queiram, por esse processo”, rematou.
A posição do chefe do Executivo surgiu depois do PS e BE terem perguntado o que “pensa” sobre a proposta do líder do governo grego, Alexis Tsipras, para a realização de uma conferência sobre a renegociação da dívida.
Mais uma vez, Passos Coelho Passos Coelho defendeu que “a dívida portuguesa é sustentável” e que essa conclusão “tem sido reiteradamente afirmada pelas instâncias internacionais e pelos credores”. O chefe de Governo admite que a líder do BE terá mais liberdade para defender a renegociação da dívida sem que haja consequências negativas para a economia portuguesa. Mesmo assim, “fará pouco sentido que digamos que não temos condições para pagar quando temos”, concluiu.
Sem se referir à proposta do Syriza, o secretário-geral do PCP, não deixou de se referir à reestruturação da dívida que poderia “libertar Portugal”. Jerónimo de Sousa acusou o Governo de “não assegurar a defesa do interesse nacional” e de ter obedecido a todas as imposições da troika. “Reagiu às eleições na Grécia, dizendo tratar-se de um ‘conto de crianças' a proposta de renegociação da dívida. É um exemplo de como quer ficar bem na fotografia para os grandes interesses económicos", atirou Jerónimo de Sousa. Contestando a ideia de que o Governo português não esteja ao serviço do interesse nacional, Passos Coelho argumentou com a ajuda europeia já concedida a Atenas: “A Grécia renegociou a sua dívida, aliás foi o único país na Europa que o fez. Teve um ‘haircut' (corte) e isso foi feito à custa da solidariedade europeia. Portugal, entre 2010 e 2011, fez empréstimos bilaterais de quase 1.100 milhões de euros à Grécia”.
As eleições da Grécia geraram ainda outro momento revelador no debate. O líder parlamentar do PS, Ferro Rodrigues, assumiu que o partido discordava de “algumas posições populistas” do novo governo grego, mas considerou mais arriscadas as tentações de travar qualquer mudança de posição na Europa. “Não estamos de acordo com algumas posições populistas do governo grego, mas achamos mais perigoso a tentação dos falcões de fazer da Grécia uma espécie de vacina contra qualquer mudança”, afirmou Ferro Rodrigues. O socialista acusou ainda o primeiro-ministro de ignorar, no seu discurso inicial, as alterações que aconteceram na Europa nas últimas semanas tal como a operação lançada pelo Banco Central Europeu.
Foi já em resposta às bancadas da maioria, que intervieram em último lugar no debate, que Passos Coelho assumiu rejeitar quaisquer responsabilidades se algo correr mal na Grécia. “Não aceitamos, portanto, hoje, esta teoria que é um pouco difundida em certos meios de que, se algum desastre vier a acontecer à Grécia, isso não se deve ao que o Governo grego quererá ou não decidir, deve-se à falta de responsabilidade da Europa. E quero, no que respeita ao Governo português, descartar mesmo qualquer acusação nesse sentido”, declarou, repetindo a ideia de que a Atenas já tem maior flexibilidade no pagamento de juros.
A posição do PS sobre a dívida pública portuguesa viria a ser o tema forte da interpelação do líder da bancada do PSD. Luís Montenegro citou declarações do secretário-geral do PS feitas nesta quinta-feira perante o seu grupo parlamentar de que “afinal a dívida é constrangedora do crescimento mas não é insustentável”. “É preciso saber se isto é verdade. É que João Galamba [deputado do PS] defendeu que a dívida é insustentável e impagável. Eu continuo a ter dúvidas sobre o que pensa o PS”, afirmou o líder da bancada social-democrata. Passos Coelho partilhou as dúvidas sobre a posição socialista em torno da dívida, acusando o PS de mostrar uma “contradição insanável” ao defender que a dívida pode ser sustentável mas que a política orçamental tem de ser outra.
O líder da bancada centrista, Nuno Magalhães, lembrou as declarações do novo ministro grego das Finanças grego de que um agravamento das taxas de juro de países como Irlanda, Portugal ou Espanha permitem mudar de posição. Uma declaração em termos que o primeiro-ministro assumiu preferir não ter sido feita.
O debate começou com Passos Coelho a reclamar sucesso nas contas públicas construído à custa de um peso maior da redução da despesa do Estado. “Gostaria em particular a destacar na composição do esforço que foi realizado para atingir a meta a redução de despesa contribuiu 2/3 para o resultado e a receita contribuiu com 1/3. Este era um balanceamento apresentado em 2011 como virtuoso”, afirmou, acrescentando que este seu sublinhado serve para “contrariar uma falsa percepção pública”. Uma outra leitura dos números fez a deputada ecologista Heloísa Apolónia: “O sacrifício de um povo é aquilo a que chama de progresso”.
Governo recusa ligar mortes nas urgências a cortes
O PCP, o BE e o PEV questionaram o primeiro-ministro sobre as mortes de pacientes nas urgências hospitalares, registadas nas últimas semanas, levando a um momento de alguma tensão com a bloquista Catarina Martins. “Quero saber de que cortes na despesa é que se orgulha, três dias antes de ter morrido uma pessoa sem assistência no Hospital de Santa Maria, a directora das urgências disse que não tinha meios, nós temos pessoas a morrer nas urgências sem assistência”, afirmou a coordenadora do BE, lançando a acusação: “Andaram a cortar dizendo que não cortavam nas vidas e o resultado está à vista”.
A interpelação e os comentários em voz alta da deputada do BE Mariana Mortágua a pedir para o primeiro-ministro ser sério irritou Passos Coelho que negou haver qualquer ligação entre os cortes na saúde e mortes ocorridas. “Seja a senhora séria se fizer favor e não faça demagogia barata com um assunto sério. O Governo colocou nos últimos 3 anos mais dinheiro na saúde do que qualquer outro”, respondeu.
Esta troca de palavras levou a Presidente da Assembleia da República, Assunção Esteves, a lembrar que “há expressões dispensáveis no âmbito da liberdade de expressão do Parlamento”. Já antes o líder do PCP, Jerónimo de Sousa, questionou o Governo sobre quais as consequências políticas que retira desta “medicina de guerra”. Heloísa Apolónia, do PEV, lembrou que o caso do Hospital Garcia da Orta está a atender doentes muito acima das suas capacidades, mas que a resposta do Governo é rejeitar construir um novo hospital.