Os sarilhos de Costa
A extrema-esquerda ficou neste arranjo “unitário” com o invejável papel de censor: critica o governo, orienta o governo e ameaça o governo.
Quando se liga a televisão aparece imediatamente alguém a exigir uma ou outra coisa do Estado. O que se pede mais são funcionários, segurança de emprego, aumento de ordenados, mais “meios” (que podem ir de instalações e vacinas a helicópteros) e dinheiro para compensar desastres naturais ou provocados por pura incompetência humana. A opinião unânime do país é a de que o Estado pague tudo e depressa. Nada disto surpreende. António Costa e a extrema-esquerda anunciaram que iam tirar os portugueses da “austeridade” e, como desde 2012 a propaganda da oposição tinha associado Passos Coelho à “austeridade” (e Passos Coelho perdeu), toda a gente concluiu que chegara a altura de tirar a barriga de misérias. Infelizmente, Costa não podia satisfazer se não uma pequeníssima parte do que esperava o desespero indígena e não conseguiu criar um ambiente de equilíbrio e de paciência.
O que se compreende tanto melhor quanto a ambição histórica das classes letradas de Portugal foi sempre a de viverem e se parecerem com a classe média europeia, especialmente a francesa. Já a corte de D. João V se vestia em Paris e, depois, no século XIX as damas da “sociedade” nas costureiras que vinham de Paris. Segundo Eça, os restaurantes serviam comida francesa. A literatura, essa, copiava manifestamente a literatura francesa. E, de maneira geral, a política também. A nossa “entrada para a Europa” acabou por ser o cumprimento de um antigo desejo, principalmente porque havíamos perdido o nosso último império e estávamos sozinhos no mundo. Mas a bancarrota de Sócrates tornou a transformar-nos num caso mesquinho e desprezível.
A polémica sobre o orçamento (e as concessões a que Bruxelas obrigou Centeno), os “negócios” da banca, as dificuldades com a “reversão” do negócio da TAP (que não acabaram ainda), o tempo que vai levar a absorver o desemprego, a repor alguma regularidade nas carreiras do funcionalismo público e sobretudo as pequeníssimas mudanças no rendimento de um terço do país (o terço mais pobre) irão, com certeza, provocar uma inquietação geral, que servirá o Bloco e talvez também o PC. Mas não o PS. A extrema-esquerda ficou neste arranjo “unitário” com o invejável papel de censor: critica o governo, orienta o governo e ameaça o governo. É a representante máxima do descontentamento dos portugueses. Para sofrer as consequências estão ali Costa e o PS, a que ninguém desculpará a aventura.