Os humilhados

Foi a primeira mulher a ocupar um tão alto cargo na hierarquia do Estado. Constitucionalista, ex-deputada cá em casa, no Parlamento Europeu e ex-juíza do Tribunal Constitucional (TC). Muito pouco tempo demonstrou que a presidente da AR vestia a mesma indumentária dos seus correligionários do Governo e não só.

S.ª Ex.ª reformou-se aos 42 anos, com dez anos de trabalho no TC. Assumiu, enquanto presidente da AR, o seu estatuto de reformada, portanto de idosa, ao optar pela reforma em desfavor do vencimento do novo cargo que ocupou. Temos uma pensionista a presidir e a dirigir a AR. Com pensão e com um emprego.

Um cargo como aquele não é de funcionário público, é político. Todavia, há quem pense que, também na política, tem de haver ética e vergonha, mesmo que a regra não seja a da vergonha e da ética. E se questione como uma reformada de exercício de funções públicas prefere a pensão de idosa à remuneração correspondente ao cargo que, efectivamente, exerce.

Tudo isto já é triste. Como se o não fosse, a presidente da AR protagonizou, há dias, um dos mais vexatórios e lamentáveis incidentes ocorridos na assembleia que dirige, a Casa da Democracia, a Casa do Povo. Pelos vistos, é só a casa dela. Quando um reduzido número de reformados se manifestava pacífica e silenciosamente, voltando costas ao hemiciclo, S.ª Ex.ª houve por bem expulsá-los da AR, que, segundo disse, também era deles. Viu-se. Por isso mesmo de lá os despejou.

Onde foi encontrar a presidente da AR legitimidade para tal? Ignora-se. Os manifestantes, ordeiros e silenciosos, fizeram muito menos do que o exemplo que, diariamente, os deputados transmitem. Não perturbaram os trabalhos, ao contrário dos deputados e seus ruídos na AR. Para além disso, quem é a sr.ª presidente, uma reformada aos 40 anos, para humilhar reformados ou pensionistas com 40 e mais anos de trabalho? A que acresce o sistemático assalto por impostos e cortes às reformas e pensões! Ela que preside ao órgão legislativo que vota toda essa humilhação e assalto aos idosos e velhos deste país que o Governo do seu partido e a sua maioria aprova!

No alto entendimento de S.ª Ex.ª, os reformados e pensionistas, humilhados por tudo quanto é poder e não só, devem dirigir-se a um advogado com cartório numa das avenidas finas da capital, aí pagar a formulação de um abaixo-assinado, bem respeitoso, para lhe enviar e ficar sepultado nos gabinetes de ar condicionado da AR. Assim é que está bem, pois a presidente ainda não captou que o povo português em geral, e os reformados e pensionistas em especial, viraram as costas ao poder político de que ela é a segunda mais relevante figura.

Mas vai acabar por entender.
 

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