O que se passa com António Costa?
Tudo indica que elogiar os progressos do país num casino cheio de chineses tenha prejudicado mais Costa do que os atrasos de pagamento à Segurança Social prejudicaram Passos Coelho.
Mas isso não explica tudo. No final do mês passado, quando se completaram os primeiros 100 dias de Costa à frente do PS, o Observador fez uma pequena entrevista de balanço a Ferro Rodrigues, que admitiu as dificuldades que o partido estava a ter em passar a sua mensagem. E justificou-as de duas formas. Primeiro: “Quando três comentadores das televisões em canal aberto são dois ex-líderes do PSD — só o Morais Sarmento é que não foi — estamos numa situação um pouco estranha do ponto de vista da comunicação.” É a velha estratégia de culpar os mensageiros pela falta de qualidade da mensagem — um argumento absurdo tendo em conta a boa imprensa (que começa agora a passar) de António Costa.
O segundo argumento é, contudo, bem mais interessante, e é curioso ter sido proferido tão claramente por Ferro Rodrigues, quando ainda há cinco meses ele estava a tecer loas a José Sócrates em plena Assembleia da República, garantindo nessa altura à comunicação social que o PS “não é o Partido Comunista da União Soviética, que eliminava pessoas das fotografias”. Hoje, o discurso rodou 180 graus, e Ferro Rodrigues daria tudo para rasgar o álbum 2005-2011 de uma ponta à outra. Palavras do actual líder parlamentar do PS ao Observador: “O PS tem uma situação bastante infeliz com o facto de o antigo primeiro-ministro estar em prisão preventiva, uma situação que causa evidentemente grandes dificuldades.”
Ai causa, causa. E é bom que alguém do topo da hierarquia do PS tenha a lucidez de afirmar isso de forma tão explícita, após tanta romaria a Évora. Aliás, a declaração de Ferro Rodrigues tem certamente uma dupla intenção: justificar o presente mas também prevenir o futuro. Daqui até ao Outono há mais do que tempo para surgirem notícias que comprometam o PS muito para além de Sócrates. A ser verdade o que anda a ser publicado, não é possível que a manipulação de concursos estatais e o forrobodó das obras públicas possam ter sido realizados sem uma razoável teia de cumplicidades. E se mais suspeitas caírem em cima dos socialistas até às eleições, tudo pode vir a ser posto em causa.
Parte do que se passa com António Costa tem, pois, a ver com a dificuldade de renovação do PS e com uma maior proximidade aos socráticos do que aquela que António José Seguro tinha. Com Costa vieram demasiadas caras antigas, demasiados assessores antigos, demasiada tralha socrática — e o que seria um trunfo em Outubro transformou-se num pesadelo a partir da noite de 21 de Novembro de 2014. O que se passa com António Costa é isto: o peso do passado está a comprometer o seu futuro. E a procissão ainda vai no adro.