O homem que não existe
O sr. Sampaio da Nóvoa, aos 60 anos, não pode apresentar um único acto político de consequência.
Segundo Marcelo, o sr. Sampaio da Nóvoa é bem-visto pelo PC (porque participou numa homenagem a Cunhal), é bem-visto pelo Bloco (a quem várias vezes passou a mão pelo pêlo) e é bem-visto pelo PS (sobretudo da facção radical, que Soares continua a influenciar, agora com a ajuda de Manuel Alegre). Estas privilegiadas cabeças da política indígena acham que o sr. Sampaio da Nóvoa ajudaria Costa na campanha para as legislativas trazendo ao aprisco do PS algum voto da franja da esquerda lunática; e que a seguir conseguiria ser eleito por uma nova espécie de “frente popular”.
Há um pequeno problema nisto: a maioria dos portugueses não sabe quem seja o sr. Sampaio da Nóvoa. Uma dúzia de patetas mais fervorosos até pensam que esse pequeno facto seria favorável ao regime periclitante que nos pastoreia. Vindo do nada, o sr. Sampaio da Nóvoa nada deve aos partidos e, por isso mesmo, representaria a pureza do povo contra a imunda partidocracia que roubou Portugal aos seus legítimos proprietários. Claro que ninguém ainda observou que para se alçar a Belém qualquer candidato precisa do apoio dos partidos e, portanto, de se comprometer com eles de corpo e alma. O sonho de independência total, além da sua intrínseca má-fé, costuma anunciar uma ditadura populista ou nacionalista e não a boa cozinha democrática. O dr. Salazar, outro exemplar do género, chegou de Coimbra numa manhã de nevoeiro e ficou quase meio século.
De resto, o sr. Sampaio da Nóvoa, à sua maneira, anuncia o fim da ordem democrática que nasceu em 25 de Novembro de 1975. Nunca antes uma personagem do regime (e muito menos uma dúzia de “senadores”) nos tinha sugerido que votássemos numa criatura que não existe. O sr. Sampaio da Nóvoa, aos 60 anos, não pode apresentar um único acto político de consequência. Teoricamente, é igual votar nele ou votar num boneco fabricado pelos partidos, excepto que o boneco talvez fosse mais modesto e mais consciente do seu embaraçoso estatuto. Só um país sem espécie de vergonha levaria esta fantochada a sério.