A manifestação de apoio à troika que acabou a mandá-la “lixar-se”
Mentira visou atrair a atenção da comunicação social para a manifestação do próximo sábado.
Ainda antes das 18h, vários elementos da comunicação social já montavam todo o aparato para a cobertura da acção inédita de apoio à troika, mas manifestantes nem um. O primeiro a aparecer lançou logo o mote: “Então é esta a manifestação?! Viva a Merkel!”. A primeira entrevista que concedeu foi ao Canal Q (canal de humor e de entretenimento das Produções Fictícias), num acto premonitório.
À medida que os manifestantes, cerca de 30, iam chegando à Praça dos Restauradores, a perplexidade dos jornalistas ia aumentando. Uma rapariga disse pertencer à organização e foi de imediato bombardeada com perguntas.
— Mas, afinal, qual é mesmo o objectivo desta manifestação?
— Estamos aqui para agradecer a presença da troika no nosso país. Achamos que as medidas que têm sido tomadas estão a fazer de Portugal um país novo — revelou.
— E que medidas são essas?
— As medidas que têm conduzido ao aumento do desemprego, por exemplo. As pessoas têm de ter estes incentivos. Até queríamos que acabassem com o Serviço Nacional de Saúde. As pessoas podiam passar a fazer mais exercício e a cuidar melhor da saúde.
— A menina é actriz? Isto é uma encenação? — questionava-se.
Nunca desarmaram. Dali, continuaram a encenação, própria de um sketch dos Monty Python, rumo ao Largo Jean Monnet, onde fica a Representação da Comissão Europeia em Lisboa. Ali fariam uma declaração à comunicação social.
Depressa se percebeu que nada daquilo podia bater certo — o tom irónico ultrapassava os dotes para a representação.
O inaudito desfile subiu a Avenida da Liberdade. Os manifestantes envergavam óculos escuros, perucas, máscaras com narizes e fatos de aspecto burguês. Empunhavam cartazes onde se lia, por exemplo, “Vamos trabalhar mais horas! Obrigado, troika!”.
Uma estranha procissão
As palavras de ordem causavam estranheza a quem passava. “Qual é o melhor banco do mundo?” “BPN!”, respondia-se. “O povo não manda aqui, quem manda é o FMI” e “Contratos não, desemprego sim”, eram os cânticos que se ouviam. À janela assomavam rostos curiosos e atónitos perante tão estranha procissão. Nem os agentes da PSP conseguiam disfarçar alguns sorrisos.
Chegados ao destino, os manifestantes deixaram espaço para a jovem que se apresentou como Camila Lourenço se dirigir aos jornalistas, que se acotovelavam. Se tinham chegado até ali, valia a pena ver como é que acabava.
“O movimento Obrigado, Troika está ultrajado com as ofensivas contra a austeridade”, por “gentinha que insulta os credores”, denunciava a jovem. Ao lado, outro manifestante comia um chocolate chamado troika. “Não saiam de casa no dia 26 de Outubro, sábado. Sábado, 26 de Outubro”, avisava. “Nada de ir para o Rossio às 15h e depois para São Bento.” Para terminar, exultante: “A troika é quem mais ordena, que se lixe o povo!”.
Mais a sério, os manifestantes, associados ao movimento Que Se Lixe a Troika, justificavam a iniciativa como uma forma de chamar a atenção dos meios de comunicação para o protesto do próximo sábado. Um dos membros do movimento contava ao PÚBLICO que “esta é a terceira vez que tentam apresentar a manifestação publicamente”, não tendo conseguido nenhuma visibilidade nas duas anteriores.
A ideia de montar um protesto fictício surgiu há dias e o intuito era precisamente captar a atenção dos meios de comunicação social por um motivo absurdo. A missão parece ter sido cumprida. Jornalistas dos principais meios de comunicação nacionais acorreram à acção de “apoio à troika”! e nem uma televisão turca escapou.
Para esta segunda-feira, às 18h estava marcada uma acção de apoio à troika com o objectivo de “agradecer a ajuda” aos credores internacionais, a quem “Portugal tem de mostrar o seu reconhecimento por uma ajuda que os portugueses podem aproveitar”, explicou esta manhã, ao PÚBLICO, Rita Ferreira de Vasconcelos, uma das organizadoras do grupo de cidadãos auto-intitulado Obrigado, Troika. No entanto, a manifestação revelou ser falsa.