Ministra da Justiça perde batalha da concentração de escutas na Polícia Judiciária
Assunto esteve previsto para o Conselho de Ministros de hoje. Miguel Macedo recusava retirar as escutas à PSP e à GNR. Sindicato da PJ não foi consultado e admite não ter recursos humanos para gerir esse monopólio.
O PÚBLICO apurou que este recuo significa que o assunto sai da agenda política deste Governo, não devendo voltar a ser abordado. Esta manobra foi a solução para contornar as visões diferentes que Paula Teixeira da Cruz e Miguel Macedo têm sobre o assunto. Há um ano, o ministro da Administração Interna disse no Parlamento que discordava da retirada dessas competências investigativas à PSP e GNR, sob a sua tutela, mas pareceu inclinado a uma restrição do leque de entidades que actualmente tem essa competência. Há poucas semanas, o MAI terá mesmo pedido pareceres às cúpulas da GNR e da PSP para poder sustentar a sua posição na argumentação contra a ministra da Justiça.
Ao PÚBLICO, o gabinete da ministra disse, porém, que as escutas “serão tratadas, posteriormente, no âmbito de outro diploma”. As perguntas enviadas ao gabinete de Miguel Macedo não tiveram resposta até à hora de publicação desta notícia.
A decisão também parece agradar aos críticos da proposta da ministra, como a PSP, o SEF – Serviço de Estrangeiros e Fronteiras ou o Sindicato dos Magistrados do Ministério Público (SMMP). E até aos agentes da PJ, que admitem não ter recursos humanos para gerir esse monopólio de recurso às escutas.
“Temos uma boa repartição de competências. O que não significa que todas as entidades que têm competência criminal devam manter a competência de intercepções telefónicas. Não estou a falar de PSP, PJ e GNR”, afirmou Miguel Macedo aos deputados, em Setembro de 2013, quando o PS o chamou ao Parlamento sobre esta proposta de Teixeira da Cruz.
13.075 escutas no ano passado
Segundo o RASI – Relatório Anual de Segurança Interna, em 2013 os órgãos de polícia criminal (OPC) realizaram 13.075 escutas telefónicas, um aumento de 0,2% em relação ao ano anterior (13.046). As escutas só podem ser feitas se autorizadas por um juiz, e têm que ser realizadas nas instalações da PJ, a única que tem os meios técnicos para isso. Há 18 órgãos de polícia criminal em Portugal: PJ, PJ Militar, PSP, GNR, SEF, Polícia Marítima, Autoridade Marítima, ASAE, CMVM, Autoridade da Concorrência, Administração Tributária, Direcção Geral de Impostos, Inspecções do Ordenamento do Território e das Actividades Culturais, Administração da Segurança Social, Autoridade para as Condições do Trabalho, Direcção-Geral das Alfândegas e dos Impostos Especiais sobre o Consumo, e Guarda Florestal.
Carlos Garcia, presidente da Associação Sindical dos Funcionários de Investigação Criminal da Polícia Judiciária (ASFIC-PJ), disse ao PÚBLICO que apesar de desconhecer o teor da proposta que a ministra já enviara a algumas autoridades judiciárias para consulta, vê com “algumas dificuldade que a PJ tenha os meios humanos necessários para poder ficar com o encargo de fazer todas as escutas” para processos de investigação”.
Só a Associação Sócio-Profissional Independente da Guarda (ASPIG-GNR) está ao lado da ministra. José Alho afirmou ao PÚBLICO lamentar que a proposta seja recusada por considerar que “só uma entidade - a PJ - deve poder fazer escutas, que sejam devidamente autorizadas e acompanhadas pelos magistrados do Ministério Público. E que só em último caso sejam usadas como meio de prova.” José Alho mostra-se “contra a proliferação de entidades com poder de fazer escutas”. Deve privilegiar-se a “prova factual, documental, fotográfica, resultado da vigilância e investigação no terreno”.
Perigo de "colapso da investigação criminal", avisa a PSP
Henrique Figueiredo, do Sindicato Nacional de Oficiais de Polícia, considera que a realidade criminal portuguesa é “demasiado complexa para que qualquer órgão de polícia criminal possa concentrar o monopólio das escutas”. Acrescenta que a transferência dos processos para a PJ seria “incomportável e provocaria o colapso da investigação criminal” e lembra que a PSP faz a instrução de mais de 60% dos processos-crime em Portugal e investiga cerca de 72% de toda a criminalidade que ocorre em Portugal. A pretensão da ministra é uma “tentativa de consagrar a PJ como corpo superior de polícia, menosprezando o trabalho e o papel das forças de segurança”.
Nuno Barroso, a Inspecção Tributária, concorda com esta ideia e diz que apesar de estes profissionais não terem formação suficiente para fazer escutas e de o material técnico nem sempre estar disponível, eles serão sempre precisos para fazer a análise técnica das escutas em processos de inquérito judicial como aconteceu no caso Monte Branco. O que o preocupa é que não esteja definida essa articulação entre as várias entidades.
Já a Associação dos Profissionais da Guarda afirmava há alguns meses que “jamais irá aceitar que [lhe] retirem a investigação criminal”. O presidente da Associação Sindical dos Profissionais da Polícia, Paulo Rodrigues, classificou a proposta como um “retrocesso” e alertava para a demora no desenvolvimento dos processos de investigação.
Acácio Pereira, do Sindicato da Carreira de Investigação e Fiscalização do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SCIF-SEF), lamenta a política de "sectarismo em algumas matérias" da investigação criminal. A proposta da ministra deixa em aberto algumas questões, porque dá a ideia que os restantes OPC podem fazer escutas mas é preciso que além de pedirem ao juiz essa autorização só poderão fazê-las se a PJ deixar. "Isso limita o processo de investigação dos outros órgãos porque perdem competências", afirma Acácio Pereira que exemplifica com os crimes investigados pelo SEF, que "envolvem pessoas em diversos pontos do globo", pelo que estes meios de prova são fundamentais".
O parecer do SMMP arrasou a proposta, considerando que, “na prática, desestruturará a investigação criminal e afundará a PJ na investigação de pequenos crimes que ou ficarão sem investigação adequada ou atrasarão a investigação daqueles mais graves que já são sua competência. Entre outras críticas, a Associação Sindical dos Juízes Portugueses (ASJP) também avisava que a transição do inquérito para a PJ poderia pôr em causa a eficiência da investigação e “consubstanciar uma errática racionalização de meios humanos, técnicos e profissionais”.