Mendes Bota quer que PSD proponha a suspensão do acordo ortográfico
Deputado afirma que o acordo está a “destruir a língua portuguesa” e só aumentou as diferenças entre Portugal e o Brasil.
Mendes Bota vem pedindo desde o início de Janeiro ao líder da sua bancada parlamentar que tome uma iniciativa para “colocar um travão ou, no mínimo, uma suspensão para pensar” o processo de aplicação do acordo.
O assunto foi sendo adiado e finalmente foi marcada uma reunião da bancada para esta quinta-feira, em que deverá ser discutido. Mas poderá acabar por já ser tarde, uma vez que está já agendada para o dia seguinte, sexta-feira, a discussão em plenário de uma petição pela desvinculação de Portugal do acordo, assim como dois projectos de resolução do CDS-PP e PSD para a criação de um grupo de trabalho sobre o acordo, outro do Bloco que recomenda a sua revisão e ainda um terceiro do PCP para a criação do Instituto Português da Língua, a renegociação das bases e termos do acordo ou a desvinculação de Portugal.
Numa carta que enviou a todos os deputados do PSD e a que o PÚBLICO teve acesso, o deputado propõe que o grupo parlamentar apresente um projecto de resolução propondo a revogação do acordo ortográfico e desencadeie um novo processo de revisão do acordo ou então que proponha simplesmente a suspensão do acordo. Mendes Bota diz mesmo preferir esta última. Também propõe a suspensão da utilização do conversor Lince e do Vocabulário Ortográfico do Português, que o Governo português decidiu adoptar como as ferramentas oficiais.
Se as três propostas forem recusadas, o parlamentar social-democrata pede que, “no mínimo dos mínimos”, seja dada liberdade de voto aos deputados do PSD na votação do projecto de resolução para a criação de um grupo de trabalho que faça um ponto de situação e proponha a revogação, a suspensão ou a revisão da resolução do Conselho de Ministros que aprovou a aplicação do acordo ortográfico. Esta proposta, da iniciativa dos deputados Ribeiro e Castro, Michael Seufert (CDS-PP) e Mota Amaral (PSD), é discutida e votada na sexta-feira. “Trata-se, apesar de tudo, de uma solução fraca, sem efeitos vinculativos nem suspensivos, e que não ataca de imediato o problema. Mas é melhor que nada”, considera Mendes Bota.
Mendes Bota manifesta a sua total discordância do acordo ortográfico, que “está a destruir a língua portuguesa”. “Assiste-se à desagregação do costume linguístico do português europeu, substituído por uma completa desordem ortográfica em que ninguém se entende”, aponta o parlamentar, que acrescenta que, ao contrário da “unificação” anunciada, “aumentaram as diferenças ortográficas entre Portugal e o Brasil”.
O PÚBLICO contactou Mendes Bota, mas o deputado respondeu que só fala sobre o assunto dentro do grupo parlamentar.
Mais palavras diferentes
Na carta de seis páginas aos deputados, Mendes Bota realça as razões de ordem jurídica e constitucional, técnicas e políticas que justificam este arrepio do caminho para o “caos ortográfico”. O segundo protocolo modificativo, que foi o que originou a mais recente alteração no modo de escrever a língua portuguesa, permitiu que a entrada em vigor pudesse ser feita com a homologação por apenas uma minoria dos países (três em oito). A esta questão legal soma-se a “inconstitucionalidade”, diz Mendes Bota, da antecipação do fim do prazo de transição, pelo facto de não se tratar de uma lei parlamentar e por violar a “liberdade de ensino, de expressão e de organização das escolas particulares e cooperativas” – competência da Assembleia da República.
Entre as questões técnicas, o parlamentar social-democrata argumenta com o aumento das diferenças linguísticas. E apresenta alguns números: “Antes do acordo ortográfico de 1990 havia 2691 palavras diferentes que se mantêm diferentes; 569 palavras diferentes que se tornam iguais; 1235 palavras iguais que se tornam diferentes.”
Mendes Bota também critica os instrumentos de aplicação do acordo. “O VOP – Vocabulário Ortográfico do Português, produzido pelo ILTEC – Instituto de Linguística Teórica e Computacional, é um instrumento ‘mutante’, sem fiabilidade, pois estando apenas na Internet pode ser alterado a qualquer momento, sem menção de que houve uma alteração e omitindo a respectiva data. Por outro lado, o Lince só permite a dupla grafia com manipulações prévias do utilizador”, observa o deputado.
Do ponto de vista político, Portugal “corre o risco de, em 2016, vir a ser o único país a aplicar obrigatoriamente uma ortografia ‘abrasileirada’, que nem era a sua”, argumenta Mendes Bota. Lembra que a grande maioria das entidades ouvidas pelo grupo parlamentar para o acompanhamento do acordo era desfavorável ao acordo, e que o Brasil, que ratificou o segundo protocolo modificativo em 2006, adiou o fim do período de transição para o final de 2015 e até já criou um grupo de trabalho técnico parlamentar para rever as 21 bases do AO90 e propor outra reforma ortográfica – “o que é um claro indício da intenção de não vir a cumprir, nem a aplicar o tratado”, avisa o deputado.
Para desmontar argumentos financeiros de uma eventual suspensão do acordo, Mendes Bota adianta-se: “Mesmo que a correcção deste erro tremendo implique custos indemnizatórios aos editores, que começaram a produzir manuais escolares em linha com o acordo, é preferível arcar com esse prejuízo do que consentir na destruição de um património histórico, cultural e de identidade do povo português, onde a ortografia joga um papel fulcral.”