Manuel Alegre regressa a Nambuangongo

Um dos momentos em que Manuel Alegre mais visivelmente se emocionou foi quando deparou com um pequeno conjunto de campas cobertas por uma placa de cimento e onde encontrou o soldado José António Teixeira Pinto, morto em combate em 1962, ano em que o poeta chegou ao local. Local que já transportava no nome, como acabou só agora por saber, uma espécie de aviso para o que milhares de militares portugueses iriam passar.

É que, na língua local, kimbundo, “Nambua” significa caçador e “Ngongo” sofrimento, eram os caçadores que sofriam nas matas cerradas da região onde a tropa portuguesa enfrentou algumas das mais violentas emboscadas, como o próprio poeta, em visita a Angola, hoje recorda.

Ou com as traiçoeiras minas, como a que matou o alferes miliciano Manuel Ortigão, aos 24 anos, e que levou Alegre a escrever “Canção com Lágrimas”. “Foi aqui que morreu, com uma mina, o alferes miliciano Manuel Ortigão, aos 24 anos, que me levou a fazer o poema `Canção com Lágrimas´, musicado e cantado pelo Adriano Correia de Oliveira, que foi um dos símbolos da guerra... Penso também nele (Ortigão) com muita emoção”, descreveu, durante a visita que fez às antigas camaratas, hoje em ruínas, de Nambuangongo.

Nambuangongo era o local mais conhecido da guerra, até mais que Luanda, “é um lugar mítico”, disse Alegre, acrescentando: “Escrevi os primeiros poemas depois de passar por aqui, estiveram também aqui o poeta Fernando Assis Pacheco, o actor Rui Mendes, muita gente conhecida esteve aqui, nesta terra cujo nome era então sinónimo de guerra”.

“Eu voltei aqui hoje, tinha que voltar aqui... é a minha peregrinação à terra que era a fronteira entre a vida e a morte... quem aqui estava podia morrer em qualquer momento com um tiro de flagelação, com uma emboscada, e por isso o tempo cabe todo num minuto”, como o disse no poema que dedicou a Nambuangongo.

Manuel Alegre chegou a Nambuangongo depois de integrar o Regimento de Infantaria de Luanda, vinha aqui em escoltas “muitas vezes”. “Aqui se combateu, sofreu, morreu, se derramou sangue de um lado e do outro”, disse. “É também com emoção que vejo que toda aquela agressividade está hoje a ter outra agressividade, mas para a construção, como é disso exemplo uma nova escola, um novo hospital... é a vida a florir num local que foi de morte”, apontou.