Há uma nova geração à frente do PCP

Começou há anos, mas agora é claro. O PCP mudou os dirigentes e quadros. Uma nova geração integra a direcção e a bancada. Porém, a identidade comunista e a natureza de classe assumem-se como as mesmas

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Dos 14 deputados do PCP, só três são históricos, o resto é a nova geração de comunistas portugueses Daniel Rocha

Aos 34 anos, este geólogo de formação que nunca exerceu a sua licenciatura, tendo tido empregos múltiplos ocasionais – de porteiro de discoteca a trabalho na apanha da ameixa em França –, relativiza o seu papel como deputado comunista: “Sei que não se criam aqui [no Parlamento] soluções, pelo contrário, criam-se problemas. Mas quero contribuir para construir um modelo alternativo que encontre outra organização económica.”

Este antigo dirigente associativo da Faculdade de Ciências de Lisboa, que se envolveu na campanha eleitoral de 2005 e acabou eleito como candidato por Lisboa, é uma das caras que fazem a nova bancada parlamentar do PCP, onde apenas o secretário-geral, Jerónimo de Sousa, e os dirigentes Francisco Lopes e António Filipe são da velha guarda do partido. Ao lado de Miguel Tiago estão outras caras, pouco ou nada conhecidas, que ajudam a fazer o PCP de hoje: João Oliveira, Bruno Dias, Rita Rato, Paula Santos, Carla Cruz, Paula Batista, Jorge Machado, João Ramos, David Costa e Paulo Sá. É o próprio Miguel Tiago quem afirma: “Estou no Parlamento com pessoas com quem estava na JCP.”

A diferença da JCP
A bancada parlamentar é assim a montra para o grande público de uma renovação geracional que se deu no PCP e que é extensível às autarquias, ao aparelho do partido e à sua direcção. “Há a mesma geração na maioria dos parlamentares, houve uma grande aposta do partido na Jota, os do grupo parlamentar são os mais visíveis, mas esta mudança reflecte-se na organização, há gente que vem em 90% da Jota e tem no máximo 30 anos. Têm trabalho local que é menos visível”, explica ao PÚBLICO o dirigente do PCP Ruben de Carvalho, avançando com três razões para a renovação: “Resulta da aposta real na Jota e do facto de, nos anos 90 do século passado, ter saído muita gente que deixou lugares e espaços em branco que foram sendo preenchidos.”

O terceiro factor determinante é a própria passagem do tempo. “Aconteceu em todos os partidos, é a geração das jotas a chegar à direcção e à bancada”, diz Ruben de Carvalho, frisando, contudo, que “a JCP é diferente”, pois “nas outras Jotas não houve empenho ideológico, político e pessoal, houve sim carreirismo de lugares”. Este dirigente insiste mesmo em considerar que “o panorama geral de preparação nos outros partidos políticos é patético”, já que “a geração mais jovem do PSD e do PS é mais à direita do que as anteriores, são mais ambiciosos e menos preparados”. Isto porque, argumenta, “enquanto à esquerda os melhores continuam a ir para a política, à direita os melhores vão ganhar dinheiro”.

Sobre os novos comunistas na direcção do partido e na bancada Ruben de Carvalho teoriza que “é gente que fez os seus cursos, tem formação académica, junta a formação académica a estar há muito tempo na Jota”. “Conhecem o partido. Conhecem bem a direcção do partido que resultou da crise dos anos 80/90.” E ascenderam agora à direcção, naquela que é a renovação geracional plena, depois de no final do século XX o PCP ter sofrido uma renovação forçada pelas dissidências, que atirou para a ribalta alguns dirigentes até então na retaguarda.

Das mudanças Ruben de Carvalho salienta o “aumento de raparigas”, havendo “mais equilíbrio de género”, mas sublinha que o PCP “não era misógino”, apenas “ reflectia os meios sociais e a classe onde tem implantação”. Agora, garante, há uma manifesta afirmação de quadros femininos que reflecte uma nova realidade social”.

Linhagem comunista
Ruben de Carvalho destaca alterações sociológicas no perfil dos dirigentes, onde encontra o peso da linhagem comunista. “Estou em crer que há uma certa diferença do ponto de vista de classe desta nova geração, deve haver mais licenciados do que há 20 ou 30 anos, mas do ponto de vista de origem de classe têm também diferenças”, sublinha. Precisa que nos novos quadros do PCP “há grande percentagem de gente da margem sul, famílias de meios com forte ligação ao PCP, de gente que começou a trabalhar e a colaborar localmente em coisas municipais e associativas, com inserção diferente da geração urbana”. Uma realidade sociológica que é comprovada pela história pessoal dos deputados entrevistados pelo PÚBLICO.

Se a inserção sociológica do novo PCP é diversa da de outras gerações, o que é facto é que a identificação com o ideário revolucionário do PCP e com a natureza de classe se mantém. “Identifico-me com os princípios do PCP, com o programa, com as características ideológicas e com a natureza de classe”, diz a deputada Paula Santos, de 33 anos, licenciada em Química, nascida em Lisboa e deputada por Setúbal desde 2009, actualmente com os pelouros da saúde, das autarquias e do ordenamento do território, bem como membro da direcção da bancada com João Oliveira e António Filipe.

João Oliveira, de 34 anos, membro do comité central (CC) e actual líder parlamentar, sustenta que os comunistas têm “uma noção clara” do seu “projecto de transformação social e do seu carácter revolucionário”, que “não é contraditória com a intervenção parlamentar que procura denunciar as causas dos problemas” que se propõem resolver. E o antigo advogado, que em 2006 substituiu Abílio Fernandes como deputado do PCP no círculo de Évora, garante: “A noção que temos da nossa intervenção e da importância que assume é enquadrada pela intervenção do partido e das suas diferentes frentes, isto tendo em atenção a acrescida importância da intervenção de massas.”

A dimensão colectiva do mandato de deputada é também salientada por Carla Cruz, de 42 anos, psicóloga até ir para a Assembleia em Janeiro deste ano em substituição de Agostinho Lopes, no círculo de Braga, onde vive. “Esta é uma tarefa que o colectivo considerou que eu tinha condições para desempenhar, mas faz parte de um projecto que temos para o país. Os deputados do PCP têm uma dinâmica própria, trazem casos concretos. E apresentamos propostas que estão em linha com o nosso projecto para o país”, diz a deputada responsável pelo acompanhamento das áreas da saúde, da ética, da comunicação social, da cidadania, dos negócios estrangeiros e das comunidades portuguesas.

A natureza de classe...
Rita Rato, de 30 anos, licenciada em Ciência Política pela Universidade Nova de Lisboa e ex-funcionária do PCP, considera que “sendo uma militante comunista” tem “convicção de que a ideologia” com que analisa a realidade dará “resposta concreta aos problemas”. Deputada desde 2009 por Évora, cidade onde nasceu, e responsável pelos pelouros da educação, da juventude, do trabalho, da igualdade de género, do desporto e do associativismo, Rita garante que, apesar das condicionantes, o PCP faz diferença: “Um dia imaginei o que seria este Parlamento sem o PCP. Seria diferente. Se não estivesse cá o PCP, as questões nunca seriam colocadas numa perspectiva de classe, da saúde às questões da igualdade entre homens e mulheres. Estando aqui, temos espaço importante de denúncia. E podemos trabalhar pela esperança e a confiança de que não tem de ser assim.”

O enquadramento da ideologia e a natureza de classe “são fundamentais” para a acção desta nova geração, tal como foi para as anteriores, garante Bruno Dias, de 37 anos, licenciado em Jornalismo – foi jornalista, sem chegar a tirar a carteira profissional. “Está sempre presente que estamos numa frente de luta e de trabalho de uma coisa mais ampla que tem a ver com processo de transformação da sociedade. Não estamos limitados a resolver os problemas do dia-a-dia. Temos uma proposta e um projecto alternativo para Portugal e isso acaba por nortear a luta concreta”, garante este membro do comité central, natural de Lisboa e deputado por Setúbal desde 1999, em substituição de Octávio Teixeira. Detém actualmente os pelouros da economia, energia, obras públicas, transportes, comunicações, tecnologias de informação e conselho de administração da Assembleia.

Bruno Dias considera mesmo que “é uma crítica idiota acusar o PCP de vir para o debate com perspectiva ideológica”, isto porque “ a perspectiva ideológica está em todos os deputados”. E remata: “Nós defendemos a nossa e os nossos interesses são a defesa dos interesses dos trabalhadores.”

... e a identidade comunista
Tal como outras gerações no PCP, os deputados do PCP mantêm os traços da identidade comunista. A manutenção da convicção no ideário de uma sociedade sem classes e a natureza de classe do seu projecto político estão associadas ao respeito e ao orgulho que a nova geração sente pela história do partido. “O PCP não só não nega como valoriza a sua história e eu como militante orgulho-me dela e espero estar à altura de honrar essa história, que tem o valor e as características do povo português”, diz Miguel Tiago. E considera: “Devemos integrar e valorizar essas experiências. É importante. Para percebermos o partido, temos de conhecer o passado, para o bem e para o mal. Para mais quando o capitalismo procura limpar a memória.”

Também Paula Santos fala com orgulho. “Sinto grande apreço pela história do PCP; é a intervenção que foi construída por milhares de comunistas, sobretudo na ditadura fascista, muitos com sacrifícios e até da vida”, diz a deputada. “É mais um aspecto que mostra a diferença do PCP”, conclui. João Oliveira frisa que “a história do PCP não será um peso, mas um bilhete de identidade” de um comunista. “Ajuda-nos a identificarmo-nos em relação ao que propomos. É uma garantia de confiança para quem olhe para nós. Esse percurso é um percurso de identidade e de natureza de classe dessa identidade, é um factor de confiança e de reconhecimento”, garante o líder parlamentar.

Carla Cruz exemplifica este peso identitário da história do PCP com a sua prática de parlamentar: “Não é indiferente pertencer a um partido com a história e a luta do PCP. Antes de vir para cá hoje fui a uma empresa em Braga com salários em atraso. A luta daqueles trabalhadores e a identificação de classe daqueles trabalhadores leva-os a dizer: ‘Sabemos por que vocês estão aqui.’ Se o PCP não tivesse essa história, não acontecia esta identificação.”

A luta no presente usando o lastro da história é também referida por Rita Rato. “Quando vou a uma visita, as pessoas reúnem-se comigo que tenho 30 anos, mas sabem que por trás de mim está um partido com 93 anos de história e luta”, afirma a deputada. E prossegue: “Cada militante tem as características próprias, mas há um colectivo. Por isso a história está sempre presente nas lutas. É uma luta de profunda convicção ideológica.”

Rita Rato lembra ainda quando teve de escrever um artigo sobre a luta de estudantes e consultou a colecção do Avante! no site do PCP: “Hoje não inventamos nada, estamos na continuação de uma luta que outros fizeram e que é a luta do povo português.” A dimensão da luta colectiva que se prolonga na história destacada por outro deputado comunista, Bruno Dias. “Em cada coisa que fazemos não estamos no alto da montanha a olhar para a história, nem podemos ser solenes em tudo o que fazemos, mas é a noção de tempo e de história que dá outra força àquilo que fazemos”, diz este deputado e membro do CC. “Faz mais sentido ter a noção de que esta luta em que participamos é muito mais do que esta vida. Encontramo-nos na luta da libertação da humanidade em que o PCP se insere e que é anterior ao PCP e que continuará depois de nós.”

“PCP rejeita ditaduras”
Para os novos deputados, a dimensão colectiva do projecto comunista não permite, porém, que o PCP seja confundido com os regimes comunistas ditatoriais de leste. João Oliveira lembra que o PCP é por vezes acusado de não ter projecto próprio e transpor o modelo dos outros ou é acusado “em função de outras realidades pelas quais não é responsável”. E considera que os comunistas têm de “desmontar esses argumentos, explicar os preconceitos e assumir as propostas e a acção política”. E considera que “distância histórica tem servido para mostrar que é a responsabilização e a identificação que não pode ser feita”.

O líder parlamentar sublinha mesmo que “o PCP rejeita ditaduras”. E Carla Cruz insiste em que “não há importação de modelos – o projecto do PCP para o país é baseado na sua própria história”. E remata: “Não importamos modelos, soviético ou outro. Quando dizem isso, desconhecem o que é o PCP e o que o PCP defende. Responde-se mostrando a diferença entre o nosso projecto e o que esteve na origem dos projectos de leste.”

Uma diferença que os novos deputados comunistas encontram no projecto do PCP hoje e que Rita Rato resume afirmando que há no PCP a “profunda convicção de que a Constituição e os valores de Abril são instrumentos para o desenvolvimento do país” e para realizar uma “fase determinante de uma democracia avançada”. E remata: “Temos noção de que esses princípios podem contribuir para a melhoria das condições de vida e para uma mais justa redistribuição de riqueza.”
 

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