Fundadores do PS "apagam" Rui Mateus

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Há quem afirme que Mateus se auto-marginalizou depois da edição, em 1996, do controverso livro Contos Proibidos - Memórias de um PS Desconhecido Alfredo Cunha/PÚBLICO (Arquivo)

Há quem afirme que Mateus se auto-marginalizou depois da edição, em 1996, do controverso livro "Contos Proibidos - Memórias de um PS Desconhecido", que, tal como o próprio título sugere, desfere incisivas críticas e acusações ao partido e a muitos dos seus dirigentes, a começar por Mário Soares. Apesar de ter deixado de exercer quaisquer responsabilidade no interior do PS no congresso de 1986, no qual Vítor Constâncio foi eleito secretário-geral, Rui Mateus acabaria por, dez anos mais tarde, cravar, a frio, um punhal no corpo socialista com a publicação de "Contos Proibidos". Muitos não lhe perdoam.

Os (raros) comentários ao assunto são evasivos. E nenhum dos fundadores vivos contactados pelo PÚBLICO conhece o seu paradeiro - alguns alegam que talvez tenha regressado aos EUA, onde estudou. Contudo, ao que o PÚBLICO apurou, existe um acordo tácito para "apagar" Rui Mateus de qualquer evento comemorativo. Mais: alguns dos participantes do congresso fundador de Bad Münstereifel (1973), no qual a Acção Socialista Portuguesa deu lugar ao Partido Socialista, chegaram mesmo a ameaçar que nunca mais compareceriam aos convívios dos fundadores se Rui Mateus fosse convidado. Os avisos surtiram efeito e Rui Mateus foi banido, apesar das justificações que alegam a auto-exclusão.

Embora sejam poucos aqueles que admitem a descriminação do antigo presidente da Fundação de Relações Internacionais (uma fundação do PS), as referências elípticas ao caso denunciam, porém, que o nome de Rui Mateus provoca ainda alguns abalos. Mas não os suficientes para apagar a sua inclusão na lista de fundadores do PS que surge no "site" do partido. Até ao fecho desta edição, o PÚBLICO tentou encontrar o contacto de Rui Mateus, mas todos os esforços foram infrutíferos.

Partido sob convulsões

Rui Mateus foi um dos congressistas que, em Abril de 1973, num encontro em Bad Münstereifel, nos arredores de Bona, na Alemanha, votou a favor da constituição do Partido Socialista. Do grupo de 27 participantes, sete (Maria Barroso, Gustavo Soromenho, Gil Martins, Catanho de Menezes, Godinho de Matos, Mário Mesquita e António Arnaut) votaram contra a diluição da ASP e justificaram a sua oposição com a desconfiança sobre um eventual acordo com o PCP e com a fragilidade da estrutura organizativa.

Contudo, os argumentos de Mário Soares, determinado a combater o receio de maiores responsabilidades, venceram e foram necessários somente três dias para a criação formal do PS. Aprovaram-se estatutos, foi elaborada uma Declaração de Princípios e, no final, cantou-se o hino nacional e fizeram-se brindes. O quadro hierárquico foi traçado: Tito de Morais ocupou o cargo de presidente do partido e Mário Soares inaugurou as funções de secretário-geral.

Embora fossem já notórias as debilidades do regime ditatorial de Marcelo Caetano, os socialistas estavam longe de adivinhar que esse Abril de 1973 iria marcar indelevelmente a História nacional. Quaisquer previsões eram goradas pelo veloz ritmo da História e mesmo depois do 25 de Abril as constantes convulsões sociais e políticas não admitiam exercícios de futurologia. Desde essa data que hoje é celebrada por todos os socialistas, o partido viveu três décadas de afirmação, tanto no poder, como fora dele, assumindo as rédeas da oposição.

Após o turbulento processo de transição para a democracia, ilustrado pelos Governos provisórios, o I Governo Constitucional foi edificado sob a direcção de Mário Soares, primeiro-ministro até 1978. E só em 1983, Soares regressou às funções de chefe do Executivo, onde permaneceu até 1985, vencendo um ano depois as eleições para a Presidência da República. Após um interregno de dez anos - Cavaco Silva liderava o Governo e Soares era Presidente da República - os socialistas regressaram ao poder com António Guterres, eleito secretário-geral do PS no congresso de 1992. Mas a derrota quase humilhante do PS nas eleições autárquicas de dezembro de 2001 ditou a demisão de Guterres e, alguns meses depois, os socialistas regressam ao lugar da oposição com a vitória do PSD nas legislativas. Lugar, aliás, que de acordo com as previsões de Mário Soares não será mantido depois das eleições de 2006: o fundador tranquilizou já Ferro Rodrigues, actual secretário-geral socialista, com o prenúncio de uma maioria.

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