Diálogo à esquerda prossegue, o objectivo é a aprovação do próximo OE
PS, PCP e BE voltam a reunir-se esta quinta-feira, no Parlamento. Delegação socialista vai dar resposta às propostas que recebeu. Comunistas negam qualquer "impasse".
Ainda não há nenhum ponto negocial fechado. Até agora, o PS ouviu mais do que falou, nas reuniões que manteve, na terça-feira com o PCP, e na quarta, com o BE. Nestes encontros "técnicos" no Parlamento, em que os líderes não participaram, a delegação socialista recebeu as propostas do PCP e do Bloco. Trocaram-se palavras de circunstância e debateu-se a metodologia.
Mário Centeno, o economista que é o rosto do programa socialista, chegou a agradecer as folhas de Excel onde o Bloco apresentou as suas propostas com o respectivo impacto orçamental quantificado, mas ninguém tirou conclusões. O PS ficou de "estudar". Nesta quinta-feira as equipas voltam a reunir-se. E aí haverá debate.
Da parte do PCP estão em cima da mesa nove pontos, já enunciados publicamente pelo secretário-geral, Jerónimo Sousa: a valorização dos salários e das pensões de reforma, nomeadamente o aumento do salário mínimo para 600 euros; o combate à precariedade; a reposição dos direitos na legislação do trabalho; a reposição dos salários, pensões, feriados e outros direitos cortados; uma política fiscal justa que tribute fortemente os grupos económicos e financeiros e alivie os impostos sobre os trabalhadores; o reforço e diversificação do financiamento da Segurança Social e a garantia dos apoios sociais; a contratação de médicos para o SNS; a reversão dos processos de concessão e privatização, designadamente das empresas de transportes, assim como a revogação da recente alteração à Lei da Interrupção Voluntária da Gravidez.
O Bloco levou, inicialmente, três condições para iniciar a negociação: TSU, alterações ao regime de desemprego e congelamento das pensões. Estas eram propostas "defensivas", de pontos do programa socialista que o BE quer ver arredados de um futuro programa de governo. O PS mostrou abertura e, na reunião desta quarta-feira, recebeu uma lista de propostas quantificadas dos seus interlocutores. Uma parte destina-se ao próximo Orçamento do Estado para 2016. Outras são iniciativas legislativas, a mais longo prazo.
Mário Centeno agradeceu o trabalho de casa do Bloco e as contas feitas. Mas não houve, até agora, ao que o PÚBLICO apurou junto de fontes dos três partidos envolvidos nesta negociação, qualquer sinal de que há matérias mais avançadas do que outras. Nem sequer se falou ainda da forma do entendimento, caso este venha a ser alcançado.
Oficialmente, todos os partidos estão disponíveis para qualquer solução: de um acordo mínimo de incidência parlamentar para aprovação do OE de 2016 a uma mais ambiciosa participação das três forças num governo de coligação. O PS não pediu a nenhum dos seus interlocutores nenhum compromisso prévio sobre esta matéria. E as negociações prosseguem, na versão minimalista.
Também não foi discutido nenhum encontro a três, até esta altura. Uma fonte da equipa do PS explica que isso, nesta fase, ainda não se revelou necessário, uma vez que "as propostas do PCP e do BE são complementares, e não há nada que suscite a oposição de nenhum desses partidos, somam-se".
PCP nega impasse
Ao longo desta quarta-feira surgiram vários rumores de um alegado impase nas negociações entre o PS e o PCP, em parte motivadas pelas declarações de Jorge Cordeiro, na terça-feira, à saída da reunião no Parlamento. Aquele dirigente comunista afirmou: "O PS tem condições para formar governo, apresentar programa e entrar em funções. Quanto aos desenvolvimentos futuros, eles resultarão da identificação da política que for possível fazer. Como sempre, quer esse governo, quer os trabalhadores e o povo, em particular, poderão contar com a nossa activa participação para assegurar todas as medidas que correspondam aos direitos, interesses, rendimentos, salários dos trabalhadores, reformados. Tudo o que não corresponda contarão com a oposição do PCP."
O PÚBLICO contactou o partido sobre este alegado "impasse". A resposta, oficial, nega que exista qualquer bloqueio nas negociações: "A consideração sobre o alegado impasse é abusiva, tendo em conta que a abordagem prossegue. As declarações de Jorge Cordeiro são a mera constatação de dificuldades resultantes da avaliação sobre conteúdos políticos, aliás, já previsíveis e antecipadas na declaração de Jerónimo de Sousa de 7 de Outubro."
De facto, Jerónimo de Sousa já alertara, no fim da reunião que manteve com António Costa, há uma semana, que "os votos dos deputados do PCP contribuirão sempre para todas as medidas que forem úteis para os trabalhadores, o povo e o país e opor-se-ão a tudo o que signifique mais exploração, empobrecimento, injustiças sociais e declínio nacional".
Mas nessa altura o líder também afirmou, de forma clara, que "seria incompreensível que se desperdiçasse essa oportunidade" de viabilizar "uma convergência política mais abrangente", na qual o PCP se mostrava preparado e pronto "para assumir todas as responsabilidades, incluindo governativas".
Questionámos ainda o PCP sobre os rumores de uma divisão entre os dirigentes do comité central (órgão máximo do partido) quanto às negociações com o PS. A resposta é clara: "Não há qualquer fundamento. Bastará atender ao conteúdo do documento do comité central de 6 de Outubro e constatar o facto de ter sido aprovado por unanimidade para desfazer essa dúvida." Nesse documento, o partido afirma que "não faltará a qualquer solução ou política que inscrevam como objectivos elementos estruturantes de uma política patriótica e de esquerda".
Já os negociadores do Bloco – Mariana Mortágua, Jorge Costa, Pedro Soares, José Gusmão, Joana Mortágua e Moisés Ferreira – esperam uma análise detalhada das suas propostas e um sinal do PS sobre os pontos em que a negociação pode concluir-se, com rapidez. Essa foi a tarefa a que se dedicaram, na noite de quarta-feira, Pedro Nuno Santos, Mário Centeno, Adalberto Campos Fernandes, Ricardo Mourinho Félix e Hugo Mendes, os negociadores socialistas.
Em Luanda, onde está a leccionar um seminário de mestrado, o antigo líder do BE Francisco Louçã defendeu que estas negociações deviam resultar em "acordos políticos sólidos".