De que ri José Sócrates?
Será que José Sócrates acredita que é normal que os portugueses levem a sério a tese de que é um preso político?
É um facto que não deve ser posto em causa o direito à presunção de inocência de José Sócrates. É um facto que José Sócrates não foi formalmente acusado de nada e que os alegados crimes de que é suspeito continuam a ser investigados.
É de admitir os indícios e as provas que o Ministério Público possui contra José Sócrates e que lhe irão eventualmente servir de base para formular uma acusação com pernas para andar nos tribunais são hoje ainda desconhecidos da opinião pública, já que as fugas de informação que têm rompido o segredo de justiça são como é evidente parciais e fragmentadas.
Por outro lado, é de difícil compreensão que seja possível uma pessoa estar em regime de prisão preventiva, sem acusação formada, durante um ano. É mesmo incompreensível que tenha sido adiado três meses a transferência para prisão domiciliária com polícia à porta, quando em Julho foi proposta a prisão domiciliária com pulseira electrónica, que José Sócrates então recusou, como era seu direito recusar – uma incompreensão que manifestei então neste espaço de opinião. (PÚBLICO 13/06/2015)
Inegável é também que em causa está uma pessoa que tem um estatuto social peculiar: foi deputado, secretário de Estado, ministro, primeiro-ministro, liderou um partido, o PS, durante sete anos (2004 a 2011) e exerceu funções governativas durante doze anos (secretário de Estado do Ambiente entre 1995 e 1997, ministro adjunto do primeiro-ministro com a tutela da Juventude, Desporto e Toxicodependência entre 1997, ministro do Ambiente e do Ordenamento do Território entre 1997 e 1999, primeiro-ministro entre 2005 e 2011).
Daí que tudo o que se passe com José Sócrates no plano judicial tem implicações políticas em Portugal, em particular no partido que liderou, o PS. Por maioria de razão durante um momento politicamente sensível como uma campanha eleitoral. Assim, deve estar consciente de que, por mais que tenha direitos políticos e direito a expressar a sua opinião, tudo o que declarar à comunicação social contaminar a campanha eleitoral e terá implicações directas sobre a prestação do PS nas legislativas. E se José Sócrates tem direito a construir a sua defesa e a expressar-se dentro dos contornos que a lei lhe reconhece, não é credível que seja ingénuo ao ponto de ignorar que diga tudo o que diga sobre política e sobre o PS está na prática a atingir o actual secretário-geral dos socialistas, António Costa.
Tal como é verdade que todos os amigos de José Sócrates tem todos o direito – e até o dever de amizade – de o visitar na sua prisão domiciliária, mas não é possível acreditar que não estejam conscientes de que ao faze-lo e ao aceitarem ser filmados e até fazer declarações para a comunicação social estão a permitir que o seu acto de amizade passe a ter implicações de leitura política.
Tendo de ser tudo isto tido em conta nas reflexões sobre o caso José Sócrates, há questões de ordem política e de ordem individual que se impõem.
Será que José Sócrates acredita que é normal que os portugueses levem a sério a tese de que é um preso político? Nos dados conhecidos do processo, há indícios de que esteve alguma vez em causa sequer um crime de delito de opinião? Qual a acusação política de que foi alvo? A suspeita não é de fraude fiscal qualificada, branqueamento de capitais e corrupção passiva para acto ilícito? Será normal um adulto na posse das suas faculdades normais acreditar que é possível que alguém leve a sério e acredite na tese de que está a ser politicamente perseguido ao ser investigado por crimes como os que José Sócrates é suspeito? É normal desenvolver esta linha de argumentação, sem ofender o bom senso, num país que viveu sob ditadura 48 anos, num país onde existiu uma polícia política sucessivamente chamada PVDE, PIDE e DGS?
Já do ponto de vista individual, será que José Sócrates acredita que é possível os portugueses acreditarem que é normal uma pessoa adulta – independentemente de ter sido ou não primeiro-ministro – viver à custa do dinheiro que lhe é dado por um amigo? Será que José Sócrates acredita que é normal que os portugueses acreditem que é normal um homem feito receber de um amigo milhares e milhares de euros em dinheiro vivo, em notas, que usa para si e que aparentemente redistribui por uma parentela de familiares, ex-parentes e conhecidos?
Voltando ao princípio: de que ri José Sócrates, no momento em que cumprimenta o seu advogado?